PASSOS DE SETEMBRO


Diário de minhas andanças
17 de setembro/2010





"As imagens que ora me perseguem,são as mesmas com que sempre convivi"






Perambula um resquício de inverno na manhã de setembro.
Cambaleante,mas persistente,faz-me vestir um agasalho leve para minha caminhada matinal.
Decidido,hoje optei pelo caminho da mata.Quero aspirar a paz do silêncio.Paira uma neblina rala em tudo que vejo.Um manto de finíssimo tule envolve a natureza embalando-a em delicado presente à primavera que se avizinha.
Alguns muros e portões,meus velhos conhecidos,antecipam recados floridos e janelas,fechadas ainda,guardam privacidades da gente da rua em que vivi mais da metade de minha existência.
Dobro a esquina. O destino será a velha estrada da Olaria São Francisco.
Pereiras centenárias,vestem-se de branco.Uma rajada de vento e, floradas dançam no ar feito nevasca.
O chão vai aos poucos transformando-se num alvo tapete.De vassoura em punho,a figura esguia de uma mulher varre os terreiros.Um filme passa em minha cabeça.As imagens que ora me perseguem são as mesmas com que sempre convivi.
À quem leu "Éramos Seis",da escritora Sra.Leandro Dupré,e sentiu com a personagem de dona Lôla o amontoado de emoções quando de sua passagem pela antiga casa da avenida Angélica,fica fácil avaliar o que sinto na minha passagem pelo endereço onde florescem ainda as pereiras de minha infância,do qual tive um dia de desfazer-me.
Não é um mero saudosismo.Chega à ser uma saudade boa de sentir.É a volta do "Éramos três"(meus pais e eu) e um entra e sai de tantos amigos que faziam daquele espaço uma perene alegria.O atual proprietário, meu velho conhecido,é zeloso em manter o que ainda resta do pomar e isso me alegra.
Sigo adiante.
Um silêncio de templos entrecortado pelo ruído seco de meus passos e,vez e outra,pelos trinados de algum pássaro.
Como que saídos das páginas do Evangelho,os campos de trigo estendem-se nas laterais da estradinha de chão.A aragem fresca da manhã os penteia em ondas de macios contornos.

De repente surge de um capão de mato um lenhador,a esposa e uma criança de colo.O cavalo magro que conduz pela mão serve de montaria para mãe e filho.
Sou tomado de uma estranha sensação.Aqueles trigais,a família humilde...A cena remete-me à outra:”A sagrada”, em sua peregrinação...É muita semelhança!
Cruzam por mim,e ainda que não nos conheçamos,cumprimentam-me com seus sorrisos desdentados e a resignação daqueles que sabem não haver muito a esperar da vida.
Ando um pouco mais e volto-me ainda à tempo de vê-los sumir na curva do caminho.
Paro diante do portão de entrada da antiga olaria.A fina camada de tule continua envolvendo à tudo.A chaminé ergue-se para um céu embaçado e cinamomos floridos espalham um cheiro de mel sobre as carcaças das casinholas desabitadas.

Ao longe um galo rasga a quietude do dia e as cabras mastigam a placidez dos tempos.
Perco-me na imensidão quase azulada de distância.Por traz da cerca aramada,balem as cabras e diante da infinitude da paz, deixo balir meu coração agraciado pela serenidade morna da manhã de setembro.
Mais um  dia em  minha  vida!
Texto  reeditado.Preservados os comentários ao texto anterior:


23/09/2010 06:28 - Rejane Chica
Lindas recordações do tempo de éramos três...Aqui,em criança,éramos 7...Hoje,com os filhos,somos 6, que certamente também sentirão suas saudades...E assim, entre lembranças e saudades, muitas manhãs de setembro vão passar...Lindo!abração,chica


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22/09/2010 23:09 - Celêdian Assis
Que linda descrição desta bucólica paisagem fizestes, meu amigo Joel. Cheguei a caminhar junto contigo neste percurso e a sentir as tuas emoções a cada passo. Sou como você, muito apegada às raizes e aos aromas da terra que nasci e por esta razão é fácil acompanhar a sua emoção. Belíssimo texto! Um grande abraço.


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21/09/2010 00:45 - Augusto Sampaio Angelim
Li, lentamente, sobre a manhã estival de setembro que descrevestes. Também gosto de textos assim, cheio de reminiscências, parabéns.


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20/09/2010 23:27 - Lisyt
Como sempre, seu texto é uma pintura! Revive momentos que ficaram perdidos no tempo, mas não em sua memória.Você consegue transmitir para nós, seus leitores, toda beleza nostalgica dessas suas lembranças. Sempre muito lindo!// Abraços. Deus te proteja


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19/09/2010 20:45 - RobertoRego
Joel, crônica nostálgica e de grande beleza. Você e suas caminhadas, matinais ou vespertinas, sempre nos traz textos maravilhosos como este. Meus parabens, abração, paz e alegria, dileto amigo e poeta do sul! ...


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19/09/2010 20:13 - Maria Olimpia Alves de Melo
Pois nós aqui éramos doze, mas é de quando éramos seis que sua crônica me faz lembrar - até uma olaria também tínhamos em nossa pequena cidade, aliás duas, e é o passeio que fazíamos até lá que você me faz lembrar. Melhor ainda, me lembrei da manhã em que meu pai saiu conosco a passeiar, quando ainda éramos sete para que a cegonha pudesse descer pela chaminé de nossa`Padaria e nos transformasse em oito. Uma beleza sua crônica, o nó na garganta ao ler o livro da Senhora Leandro Duprê, minha paixonite pelo perdido Alfredo, puxa Iratiense você acabou deixando a arantinense aqui muito saudosa, até da pereira e do marmeleiro da casa de minha avó vc me fez lembrar!!!


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19/09/2010 15:46 - Mel Braga Protegida por um Anjo
Um cheiro de boas lembranças no ar.../ Não há nada mais incrivel do que oharmos a nossa volta e sentirmos o cheiro ...o gosto e a sensação de passear num momento mágico do passado../Joel viver esse momento único é fazer poesia...tranformando emoções nos mais belos versos.../ Parabéns


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19/09/2010 01:00 - Maria Dilma Ponte de Brito
Linda manhã de setembro. Passiei com vc nesta linda estrada. Setembro é um lido mês. Tive a felicidade de nascer no nono mes do ano.Belo texto!


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18/09/2010 22:03 - Mirtes CASSIA
Esse é o Iratiense, sempre nostálgico e criativo. Parabéns amigo por tanta beleza nesse texto. abrçs


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18/09/2010 18:49 - Layara
Toda vez que venho aqui me encanto com este teu lirismo maravilhoso! meu abraço


18/09/2010 17:22 - Águia Encantada [não autenticado]
Uma crônica permeada de saudades e de paz.Faz o coração ficar leve e sereno.


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18/09/2010 00:08 - Lilian Reinhardt
Simplesmente lindo! Faz-nos caminhar consigo pelos caminhos da magia e da emoção. Comovente e belo em sua candura lírica e fluidez de linguagem traduzindo a beleza das sensações vivenciadas, captadas. Sua palavra é fecunda e bela, um precioso trabalho! Lindo e profundamente humano o encontro com o casal que lembra a sacra família. Sua narrativa nos enleva a alma! Obrigada! Cumprimentos poeta da minha terra! grande abraço!


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17/09/2010 23:22 - sandra canassa
OLá poeta!Isto não é uma cronica,é uma poesia derramada em beleza.Lindo isso...beijus d eluz.


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17/09/2010 22:46 - Drackner
Belíssima decrição! Parabéns,seja feliz.


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17/09/2010 22:39 - AndreaCristina Lopes
As manhãs de setembro ainda tem um tato de inverno, mas, carrega em si um gostinho de primavera se aproximando... os olhos olham compridos, contemplando a imensidão de paz que se alastra! Muito bom teu texto, meus parabéns!!


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17/09/2010 22:38 - Dany Ziroldo
Uma linda crônica... repleta de poesia... quase pude fazer esse caminho contigo... Abraços. Dany
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