NÃO CONTEM PRA MARIA

Havia sempre muita movimentação na casa. A família era numerosa. Os filhos mais velhos e casados visitavam a mãe e levavam a ela que era "do lar" as noticias dos acontecimentos, que em uma época não informatizada, demoravam muito a chegar. Dramas e tregedia, faziam parte do manancial de noticias a serem partilhadas.

A filha pequena ficava sempre à espreita, para que com a chegada dos irmãos, além de presentes, tomasse conhecimento das novidades e de um mundo muito distante da suas duas bonecas de louça.

Porém a curiosidade da filha nunca era satisfeita, pois junto com a visita dos familiares vinha sempre o aviso da mãe: "Não contem pra Maria..."

Muito tempo depois Maria Clara, mulher feita, bonita e próspera, desliga o rádio do carro. O sensacionalismo da noticia da tragédia a incomoda. A sensação de impotência a invade.

A jovem lembra da mãe e do chavão "não contem prá Maria", que por tantas e tantas vezes antecedia a noticia que não era dada, que não era ouvida. Entende que o aviso da mãe tinha intenção de poupa-la de tomar conhecimento da dor e de uma realidade desconhecida. Mesmo sabendo do amor da mãe, questiona o beneficio que a redoma na qual foi circundada no passado, lhe beneficiou

para viver no mundo atual, e debate-se nos seus trinta anos.

Não tem mais a mãe, não tem mais o invólucro que a mantinha na área de conforto. Hoje, a realidade e os revezes da vida se apresentam, e não há fuga, e sim a aceitação como aprendizado, o que não elimina a dor. Por muitas vezes o sofrimento e a tristeza fazem Maria Clara olhar para o céu e se como com os anjos estivesse falando, dizer: não contem pra minha mãe...

CEIÇA
Enviado por CEIÇA em 14/09/2017
Reeditado em 17/09/2017
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