SÓ QUERO DORMIR
Ah! A insônia. Só quem dela padece sabe das agruras do mal.
Os dorminhocos, e acho o mundo, jamais compreenderão o custo para conseguir conciliar fechar as pálpebras, afastar os problemas do cérebro e descansar.
Valerianas, maracujinas, exercícios de yoga e, finalmente, já em alta madrugada, o cansaço vence e consigo adormecer.
Leda esperança.
Nem bem adormeço e, já não bastasse os latidos diurnos dos cães da vizinhança, dia após dia, o cotidiano da cidade insiste acordar-me, em rotina infalível, insuportável e inexorável.
Às segundas-feiras despertam-me as infernais buzinas dos carros correndo contra o relógio de um trânsito parado sob minha janela, reféns do abrir e fechar do semáforo da esquina. E eu, que não marco nada para as segundas-feiras, levanto-me, sem entender porque não fazem o mesmo.
Às terças-feiras desperta-me a chegada dos feirantes descarregando seus caminhões e montando suas barracas na rua transversal. E eu, que só faço compras no varejão das sextas-feiras do supermercado, levanto-me, sem entender porque as feiras têm de ser pela manhã.
Às quartas-feiras desperta-me o caminhão do gás ao ritmo de “Fur Elise”. Poderia ser pior, mas os carros tunados passaram antes de eu adormecer. E eu, que tenho gás encanado, levanto-me, sem entender porque não há botijões de gás em concertos e orquestras.
Às quintas-feiras despertam-me uma e outra briga de casal no prédio ao lado, porque um marido chegou muito tarde ou bêbado. E eu, que não sou o marido e quase abstêmio, levanto-me, sem entender se ele chegou tarde, bêbado ou ambos.
Às sextas-feiras desperta-me, atrasado, o sabiá da madrugada, confuso pelos barulhos do outros dias da semana. Eu até o perdoaria, não fosse lembrar-me que é sexta-feira. Levanto-me e vou ao supermercado fazer minhas compras no varejão. Na caminhada até o supermercado, ultrapasso carros, vejo um caminhão de gás e reflito como sou feliz em não ser acordado pelo barulho de tiroteios e suas balas perdidas.
Aos sábados desperta-me o som “mixado” de vários rádios ligados no último volume. A faxineira na sacada do sexto andar, as janelas abertas no terceiro e quarto andares. E eu, que não gosto de música brega, funk e nem de programação de igreja evangélica, levanto-me e tento ouvir um CD de MPB para amenizar o transtorno.
Finalmente, o domingo... Dia de Paz!... Sem trânsito, feiras, casais brigando, faxineiras. Até o sabiá deve acordar mais tarde aos domingos...
Epa! Epa! Epa! Desperta-me a campainha. Levanto-me e vejo ao portão um casal sorridente acenando-me. Abro a porta, sonolento. Eram Testemunhas de Jeová... Oferecem-me uma revista...
“Despertai”?
E eu, que pareço pagar todos os pecados do mundo, com minha insônia, não resisto, devolvo a revista, tentando ser educado:
“Não quero... Essa não me serve... Eu preciso dormir!!!”
Acho que eles não entenderam nada...