COROA FLUTUANTE

A que glória eu pertenço senão a todas e a nenhuma? Tudo é momento. Transitoriedade do estado e da ação. Posso pela manhã ser esplendor e alma e à noite rancor e destruição, assim como posso alvorecer escuro e tempestuoso e anoitecer límpidas estrelas fixas. Não importam os muros ou as janelas abertas, o caminho segue independente do atalho ou da árdua escalada. Cabe ao eu indivisível, porém mutável ir de alguma forma, ir além das cercas. Olho ao alto esperando halo, baixo ao chão contando os crescentes calos, vendo se estes me elevam à flutuante coroa almejada. Corro do abismo sendo eu igual buraco fundo e inapagável, algumas flores na borda ainda não me fazem jardim, as palavras vão fluindo, são corvos sem pouso escorrendo na vã tentativa de saciar a fome do imperativo vazio que de mim se origina. Sublime negativo, aqui na minha prisão de utopia, qualquer pecado é esperado e toda santidade é vaidade, e nesta dicotomia de exposição expressiva: entre o corte da agonia do espelho e a distorcida estética interna dos meus prazeres inefáveis, busco auréola, glória única, sem ferrugem ou marcas dos dedos gordurosos da morte e, sobretudo, sem fluidez no tempo.