O LIVRO

Eu estava escrevendo um livro.

Alguém em mim estava escrevendo um livro.

Esse livro ficou pelo caminho. Esse alguém em mim é que talvez tenha ficado.As crônicas esmoreceram todas ante um conflito entre i e y ao qual não se soube explicar.Os contos? Caíram desfalecidos numa noite de insônia, sendo derrotados por aquilo que ainda ontem lhes era inspiração.

Existia um livro. Existia essa outra que habitava em mim. Letras que já não somam mais e crônicas e contos que já não reconheço. Demorei um tanto para reconhecer que aquilo ali não me cabia mais. Ponderei vir a público declarar que aquilo ali não me cabe mais. Hesitei por não saber ainda o que fazer com todas aquelas palavras postas sobre o papel e que de alguma forma ou em algum momento quiseram tanto dizer alguma coisa. Mais ainda por sentir que até agora não há em mim a luz interna que eu achava que tinha para escrever livros. Há uma estranheza em esvaziar-se sem ter com o que repor. Há um vazio em não ser a que escreve.

Eu estava escrevendo um abismo.

Alguém em mim estava escrevendo um abismo. Esse abismo talvez também tenha ficado pelo caminho e eu ainda não sei o que fazer com aqueles contos crônicos que tampouco sei o que dizem, ou a quem. Me perdi em qual tipo de luz o livro refletia naquela em mim.

Eu tô sentindo uma pesada pena deles – os textos cronicamente contados, linha a linha. De mim. Dos meus dedos miseráveis que acrescentavam lá letra por letra até tudo estar exposto com pretensão de ser lido. Eu tenho sentido uma pesada pena do público a que venho declarar que aquilo ali já não me cabe.

Mas simplesmente não os quero mais. Textos. Público. Aquela que existia mim. E lamento que tenham que receber de mim toda essa piedade.

Havia um livro que já não me cabe.

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*Textos de Quinta - Para fugir da responsabilidade.

Um a cada quinta. Não é promessa, é desejo =)