Felicidade desprezível

Há dias em que o amargo fruto da triste relação entre a tristeza e a decepção torna-se onipresente. Nestes dias, tudo reverbera a morte do que era, e já não é. O prato mais saboroso apresenta-se insípido. A música mais dançante revela-se estática. E a mais engraçada das piadas já não engraça como antes engraçava. Torna-se então, hospedeiro infeliz de uma vil desolação que parasita incessantemente. Um sentimento cruel que não dorme e não deixa dormir.

Quando a vida perde a cor e viver, transforma-se em um dissabor, é preciso ter a nobreza de se contentar com o simples. Saborear o que, em dias normais, dá-se o luxo de desprezar. Fazer de banquete as desprezíveis migalhas do cotidiano.

Hoje, por exemplo, tive o privilégio de participar de uma normalíssima partida de truco. Houve o de sempre: piscadas, risos, gritos, tapas na mesa, xingamentos (sem efeitos ofensivos) e grunhidos, que quando externados, traduziam os sentimentos mais intraduzíveis existentes.

Meus colegas não sabiam quais cartas escondia atrás das mãos, nem minhas cartas sabiam o que eu escondia dentro de mim. Mas isso pouco me importava. Aquela fútil partida de truco anestesiou-me de minhas aflições, e por algumas rodadas fez com que minha maior preocupação fosse ter cartas suficientemente boas para derrotar meus companheiros.

Chegando em casa, deparei-me com todas as frustrações e decepções por mim protagonizadas esperando-me. Então, saquei meu baralho e passei a jogar contra minha solidão. Naquele instante, degustei algo que diariamente não era capaz de valorizar o sabor. Naquela hora almejei ansiosamente pelo dia seguinte e pelo próximo jogo.