Bom dia!

Quantos de nós, nos dias de hoje, não é adepto de uma boa caminhada pela manhã? No meu caso, sem tempo disponível, aproveitava para fazê-la no próprio itinerário para o trabalho. Carro na garagem e, para a volta, tinha o ônibus, aproveitando o resto de tranquilidade e segurança que a minha cidade ainda oferecia. Eram cerca de três quilômetros até o centro e, inevitavelmente, eu cruzava com pessoas, quase nos mesmos pontos e nos mesmos horários. Não havia a obrigatoriedade de “um bom dia” a todos, mas um mínimo de rostos tranquilos ou sorrisos era possível de se ver. Contudo, não era este o caso de uma determinada jovem, de louros cabelos, andar elegante e, aparentemente, com “cara de poucos amigos”.
Das inúmeras vezes que nos cruzamos pelo caminho ela mantinha o rosto reto e sempre olhando ao longe, sem qualquer expressão. Quando se aproximava de alguém, simplesmente passava imóvel e, pasmem, costumava vira-lo na direção oposta. Outras vezes, nesta posição, chegava a abaixar a cabeça, olhando para o chão, como se procurasse algo perdido. Pois bem! Certo dia, ela apontou no final da rua. Talvez para se justificar de alguma forma, ela procurou cenas nos muros, nas casas e desviando, como sempre, o olhar. Havia chovido muito na noite passada e o asfalto amanheceu limpíssimo por força das águas. Quando quase cruzávamos caminho, a indiferente dama pôs-se a olhar para o outro lado e, quando mais próximos, para o chão. Foi quando me vi obrigado a informá-la de que há um metro e pouco atrás, ela pisara em uma cobra de razoável tamanho, que começava a atravessar a rua. Ora, parece-me que o seu costumeiro e particular comportamento fez com que ela olhasse para o chão num momento em que não mais precisava fazê-lo. E indagou assustada:
- Nossa, moço, como é que eu não vi esse bicho! Mas agora não adianta gritar, não é mesmo? Meu Deus do Céu! Bem que eu senti que havia pisado em alguma coisa realmente nojenta, disse a moça, a esta altura, cercada por alguns curiosos. Ao que eu lhe respondi:
- Não se preocupe. Ela já sumiu para dentro da “boca de lobo” e acho que não era venenosa.
Nos outros dias, seguiram-se as rotineiras caminhadas daquelas pessoas encontrando-se nos mesmos pontos. Quanto ao acontecido com a loura que, involuntariamente, maltratara o pobre réptil, tratou-se de um caso meramente fortuito, daqueles difíceis de ocorrer numa rua de cidade. O mais interessante é que ela, dali em diante, sempre que passa pelas pessoas de seu itinerário, simula um pálido sorriso, como se recordasse a todo instante daquele incidente com o animal. Eu, mais privilegiado, passei a ouvir desta pessoa nada mais, nada menos, do que um sonoro “bom dia”.
Luciano Abreu
Enviado por Luciano Abreu em 29/09/2017
Reeditado em 09/10/2017
Código do texto: T6128221
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