TRISTE BRASIL, O QUÃO DESSEMELHANTE!

TRISTE BRASIL, Ó QUÃO DESSEMELHANTE!

[Sob a influência do espírito de Gregório de Matos, o Boca do Inferno,

poeta barroco baiano]

Nelson Marzullo Tangerini

Diz a sabedoria popular que “No Brasil, quem trabalha não tem tempo de ganhar dinheiro”, ditado, aliás, que me levou, inspirado por Gregório de Matos, poeta baiano, a escrever essas mal traçadas linhas. Afinal, “Todos os que não furtam, muito pobres”.

Debruço-me neste ditado, lembrando-me de que Gregório, Machado, Vieira, Nelson Rodrigues, Nestor Tangerini e Luiz Leitão, entre outros, retratam muito bem o folclórico “jeitinho” do brasileiro para chegar a uma posição social privilegiada ou de destaque, tal qual “os senhores nobres e elegantes”.

Faço, pois, uma viagem do Barroco [de Grégório] ao Pós-Parnasianismo [de Nestor Tangerini].

“Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa”. Por isto o brasileiro, muito esperto, pensa como aquele ex-atleta e pensador, que gosta de levar vantagem em tudo, certo? Errado. Outro pensador do esporte, um ex-goleiro do clube mais querido da mídia, também contribuiu com sua iluminada sabedoria, após o término de uma partida de futebol, em que clube adversário foi solenemente garfado em plena luz do dia, diante dos olhos vesgos de nossa falida imprensa, ao dizer que “roubado é mais gostoso”. Concluímos pois que “Neste mundo é mais rico o que mais rapa”.

“Perdeu, playboy!” é a linguagem do mau ladrão. Mau ladrão, porque não se compara com o “bom ladrão” que se disfarça de político e guarda sua fortuna roubada em malas e caixas de papelão num apartamento emprestado por um amigo. Pobre do ladrão que rouba um relógio, um celular, um tablete de margarina. Vai tomar porrada na delegacia. Quanto ao político, endinheirado – por causa de seu enriquecimento ilícito -, este será julgado por um tribunal de amiguinhos corruptos e comprometidos com a fraude.

A miséria no país aumenta; empresários quebram, enquanto políticos se tornam milionários e famosos com muita rapidez, mais famosos que artistas de teatro e da televisão. “Quem dinheiro tiver, pode ser Papa”, pensam eles. E então não se contentam em roubar pouco. E passam a roubar muito. Muitíssimo. Quando investigados, os julgamentos são lentos: “Ninguém vê, ninguém fala, nem impugna”.

Esses ilustres e esnobes dirigentes “Não sabem governar sua cozinha, e podem governar o mundo inteiro”.

Mas o brasileiro tem o velho hábito de culpar nossos irmãos lusitanos pela má formação, e consequentemente, a má reputação de nosso povo. Os portugueses, que desembarcaram na costa da Bahia, no dia 22 de abril de 1500, liderados por um Cabral e interessados na extração de prata, ouro, entre outras riquezas, e em cristianizar os primeiros habitantes da terra [leiam a Carta de Pero Vaz de Caminha], deixaram de sugar essa terra a partir de 7 de setembro de 1822. De lá para cá, quem mais roubou o povo brasileiro foram os próprios brasileiros, mais precisamente os políticos. Quando estive em Portugal, em 2002, comentei com amigos lusos sobre a velha prática da corrupção. E um deles me disse que o Brasil era um dos países mais ricos do mundo, e era por isto que tanto roubavam. E acrescentou nosso colóquio com um antigo ditado português: “Onde há farinha há ratos”. E “Ficamos sem tostão, real nem branca”.

O poeta pós-parnasiano Nestor Tangerini, sempre às voltas com os livros de Bocage [poeta português] e Gregório, retrata bem o que é nosso pitoresco país, com um atualíssimo poema satírico intitulado Bossa Nova / Bombas / Poema atômico:

“A Rússia soltou uma bomba

De cinquenta ‘megatões’;

Portugal soltou uma bomba

De cinquenta mil ‘gatões’.

A vanguarda é do Brasil,

Terra de heróis e tribunos;

A vanguarda é do Brasil

Que há muito soltou uma bomba

De cinquenta mil ‘gatunos’ “.

Estamos diante de “Desgraças nunca vistas, nem faladas”, mas vivemos num país folclórico, pitoresco, terreno fértil para piadas. Somos um povo alegre, feliz, acolhedor, dócil, pacífico. Vivemos sob “as palmeiras onde canta o sabiá”. Certamente, não veremos um país como este.

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Pesquisa: Poemas de Gregório de Matos / Seleção, prefácio e notas de José Miguel Wisnik / Editora Companhia das Letras / São Paulo, SP, 2009.

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 05/10/2017
Reeditado em 17/10/2017
Código do texto: T6134082
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