AMÁLIA




Eram onze horas, o sol quase a pino, quando Amália se jogou do terceiro andar.
Era um dia qualquer, talvez segunda, e entre ela e a calçada houve um instante de hesitação.  A sirene de uma ambulância, rotina da cidade e seus dramas, estridente chegou aos seus ouvidos.  Mas  já não ouviam. O ar frio envolveu seu corpo que teve um beve estremecimento. Dentro do peito aquele coração vibrante se contorcia como a rês que não quer morrer, o corpo resistia em vão. 
 Amália vestia uma larga camisola que, leve como uma nuvem, tremulava, bandeira branca pedindo paz.
Fora libertada há pouco mais de um mês do pesadelo vivido. Ficaram entretanto as chagas do arbítrio nas profundezas da sua alma,  ferida de morte naqueles cárceres de dores e desespero sem amparo.  
Resoluta, enfim, deu mais dois passos e jogou-se para frente, para o abismo do desconhecido em busca de libertação. 
Na calçada um corpo anônimo.  A alma se fora em voo invisível aos olhos da nossa humana incredulidade, da nossa limitação. Os mesmos curiosos, os mesmos ruídos de carros e buzinas,  mundo crítico e ruidoso da humana insensatez. E ali, naquele quadro inusitado, uma mancha feito rubra rosa surgia lentamente na alvura da camisola...