Vitórias do Tempo

Lembrava-se do dia e a hora em que contraira a estranha alcunha. Era um campinho de futebol, quintal de uma granja abandonada, finalzinho da tarde. Defendia o gol do seu time entre as traves desalinhadas de troncos de Bambus, em uma confusão dentro da área saltara na bola, dando-lhe uma tapa antes que ela atravesse a linha, mas para aqueles que aguardavam do lado de fora esperando para entrarem, fora gol legitimo. O goleiro insistia, deitava no chão e esticava o braço detalhando a defesa, seus companheiros de equipe também defendiam, ainda assim, foram vencidos por aclamação popular. Mas antes de deixarem o campo ele cuspira sua insatisfação, “Nunca mais volto a esta “Trigaça”!” Trigaça? Perguntaram-se os adversários, cabeças giravam buscando em arquivos, o que poderia significar a palavra? Honestamente para ficar claro o que queria expressar, o goleiro no alto da sua aviltação corrigira, “Quero dizer que não volto mais nesta desgraça!” Teria sido melhor que a trapalhada não fosse entendida, que aquela exorbitância permanecesse nas mentes adeptas do chacotismo. Olhos foram se confrontando até alguém dizer, “A desgraça do frangueiro e a Trigaça ahahahahaha! Em seguida até companheiros do seu time participavam da algazarra, “Vamos embora Trigaça”!” Seu primo que com muito sofrimento aceitara a alcunha de “Galinha Pintada” não poderia perder a oportunidade de dar a sua agulhada. Trigaça nada mais poderia fazer, além de desferir impiedosamente que a mãe de não sei quem era não sei o quê, que a irmã do outro fazia tais coisas atrás do muro da escola com tal de fulano. Mas a algazarra era universal, no instante de suas apelações finais tremia com um ataque surpresa de perda de voz, ia embora escoltado por um coro que parecia vir das nuvens, “Trigaça, Trigaça, Trigaça!” Em casa pedira à mãe que o deixasse ir embora para outra cidade, queria estudar para ser medico. A mãe gostava da ideia, mas com apenas doze anos de idade não achava certo que um filho saísse de casa, todavia o pai que fora flagrado por ele saindo de puteiro vira ali a oportunidade de aprontar sem temer o flagrante do filho. Trigaça entrava no ônibus em direção a Belo Horizonte, capital Mineira, mesmo pedindo segredo para os pais sobre seus passos, havia um cartaz nas grades da Rodoviária, “Trigaça frangueiro!” Na cidade grande contava apenas com um primo segundo do Pai que morava em um pequeno apartamento no Bairro de Lourdes próximo a Sede do Clube Atlético Mineiro. Rubens era seu nome, medico especializado em Ginecologia, possuía o estranho hábito de andar seminu em casa, apenas de calcinha, tinha voz suave e namorava um vizinho do mesmo prédio. Trigaça sentia-se constrangido com aquelas cenas, inclusive beijos entre os dois, mas fingia não ver, fora matriculado em um colégio particular, finalmente estava livre daquela alcunha enferma. Na quadra Trigaça se destacava como goleiro, não demorara em estar no time titular da sala nos jogos internos, de lá fora escolhido o melhor da escola e sempre que jogavam contra outras agremiações era convocado, passara a ganhar notoriedade, altura e experiência. Um dos professores era conselheiro do Cruzeiro Esporte Clube que á época treinava na Toca II no Barro Preto, levara-o para um teste no sub-quinze, Trigaça não decepcionara e de lá voltava com um documento de aprovação em mãos, mas a vida lhe reservava alguns percalços pontiagudos, Rubem fora assassinado pelo namorado que se matara logo após. Familiares do Sul de Minas que ele não conhecia vieram para reivindicar os pertences do medico, parecia que o garoto estava condenado a voltar aos seus pesadelos, todavia o professor apostando no que vira do talentoso aluno oferecera-lhe moradia na própria toca da raposa passando a ser o seu novo tutor. Dez anos se passaram, o Mineirão estava lotado, a noite estava radiante com estrelas no céu e o azul contagiante das bandeiras, a torcida gritava eufórica, o goleiro Paulo Cesar era abraçado pelo capitão da equipe Wilson Gotardo, após defender o pênalti que classificara o time para a final. Em prantos abundantes ele apontava na direção de uma parte pequena daquela torcida que sustentava uma faixa que dizia: Trigaça o melhor goleiro do mundo, Montes Claros se orgulha de você!