Apenas um menino de 13

Era um dia como outro qualquer. Mas Pedro não é um menino como outro qualquer. Sabe a extenuante fase dos porquês? Ela não passou, ele continuou nela. Desde os três, faz perguntas e observações que nos inquietam, ele perturba a ordem das coisas. Este é o meu Pedro, meu Pedro penseiro. No resto, tudo normal, adora futebol, não gosta da escola. Passa de ano raspando, tira 6 e diz, “tá bom, né mãe? ”

Nesse dia, na porta da escola, cedinho de manhã, não havíamos olhado a roupa que ele escolhera, um misto de Falcão e Tirica, num susto dissemos “que roupa maluca é essa? ” Talvez tivéssemos usado algumas palavras um pouco mais sujas, nascidas num universo à parte dentro da caixinha de palavras, não para ofendê-lo, apenas como recurso para traduzir o impacto visual que tivemos com uma intensidade singular que só os palavrões dão conta. E como resposta veio: “Ah, para! Tô pouco ligando pros padrões de beleza da sociedade. ” Acho que nessa hora ele também não usou palavras tão polidas, mas ele já tem 13, pode usá-las, apesar de eu não contar isso a ele.

Então, nesse dia comum, como outro qualquer chegamos da escola, ele ligou o vídeo game e disse que estava com fome. “ Eu faço feliz, uma comida bem gostosa se você colocar Chico Buarque e desligar esse joguinho. Trato feito. Tocou Teresinha. Ainda descascando o alho e a cebola para o refogado gritei: “coloca essa de novo, amo essa música! ” Refogado cheirando invadindo a sala e, Teresinha, invadindo a cozinha. Ouviria por muitas e muitas vezes, até a agulha furar o LP, mas nem disse isso, muitas perguntas surgiriam desse singelo comentário e Pedro parecia absorto na narrativa dos três homens de Teresinha.

Logo veio a pergunta: “Mãe por você gosta tanto dessa música? Eu nem entendi o que ela quer dizer? ”

Tive que contar para ele que minhas memórias cinestésicas, aquelas que evocam cheiros, sabores e sentimentos, estão relacionadas a muitas músicas e que Teresinha me conecta a muitas lembranças. Lembranças do meu pai. Chico Buarque sempre esteve em nossa casa, desde a música rolo ao Spotfy. Perguntei em seguida se essa música o fazia se lembrar de outra música, alguma da infância. Óbvia e esperada resposta, mas ela foi o gancho para conversarmos sobre as relações estabelecidas entre Teresinha de Jesus e Teresinha, sobre religião, sobre a construção histórica do lugar da mulher na sociedade machista e moralista, falamos também sobre a Ópera do Malandro, sobre a opressão de gênero. Para além da temática da música, falamos do rigor cerimonioso da linguagem, feita por Chico, dos paralelismos das estrofes e das aliterações que permeiam o texto.

Voltamos para temática, agora eu Teresinha, Pedro quis saber da aguardente amarga e difícil de tragar, se já me havia acontecido. Sim, eu Teresinha e Pedro penseiro, discorrendo sobre todas as mulheres que já foram e são Teresinhas; desarmadas, bajuladas, coisificadas e amadas.

Comida pronta, deliciosa por sinal, ouvimos Teresinha pela última vez, “Pedro não sabe, mas talvez no fundo espere alguma coisa mais linda que o mundo. ” (Ah, Chico!)