Olhar e não ver!

Muitas vezes, somos surpreendidos por mudanças repentinas. Seja no espaço, no local onde vivemos, seja nas pessoas que conhecemos, nas que mais amamos, ou até em nós mesmos. Em geral, demoramos a perceber e quando nos damos conta já mudou, pois, na verdade, todas as transformações ocorrem lentamente. Até as revoluções, as quais muitos classificariam como alterações repentinas, não o são, mas sim resultado de um processo. E o pior é que tudo sempre se modifica a todo instante.

As línguas, que os gramáticos normativos penam por fixar, quando o fazem, já perderam inúmeras variações. Afinal, as línguas são vivas, nós as modificamos todos os dias. As pessoas desde que nascem padecem mudanças constantes, em determinados momentos da vida isso é mais notório, em outros não. De todo jeito, sempre acontece, até quando atingimos aquela idade em que pensamos que já nos formamos, já vivemos tudo e nada mais mudará. Assim, como é impossível parar o tempo, não impedimos as modificações.

Tudo é dinâmico. Nem mesmo as estátuas escapam das transformações, sobretudo, aquelas dos monumentos públicos ao relento. As chuvas, o sol, os ventos, o frio, os pichadores, tudo as faz mudar, ainda que seja extremamente lento. Não por menos, as esculturas nos museus, galerias e salas, posto que não sofram por aqueles agentes erosivos, também se transfiguram. Cada circunstante que a observa deposita um olhar, uma carga de conhecimentos, preconceitos, emoções, cada um vê uma coisa e, inclusive a mesma pessoa tem uma mirada diferente a cada instante. Também nossos olhos envelhecem, por conseguinte, vendo algo diverso a cada espiadela.

É fácil provar isso. Olha para o céu pela janela; dá dois passos para o lado e olhe novamente. Não verás a mesma paisagem. Não te convenci? Está bem, o céu pode estar aquele nublado ofuscante, sem ventos e etc.. Em uma cidade é mais fácil, repara em um cruzamento de ruas. Acenda um cigarro, ou tome uma água e note de novo. Não são os mesmos carros, a cor no semáforo é outra…

Embora talvez não acredites, tudo muda. Mas e daí? Há até uma música bem conhecida que diz “tudo muda o tempo todo no mundo, como uma onda no mar”. Ah o mar, como é bom o mar! Queria sentir o perfume do mar! Por que muitas vezes andamos por ruas próximas de onde residimos e, de repente, estancamos diante de um edifício colossal no lugar daquela sequência de casinhas bonitinhas. Pensamos, “Nossa! quando construíram este prédio!?”, “Ainda há pouco tempo, eu passei por aqui e não tinha este prédio!?”, entre tantos outros devaneios.

O problema é somente vermos o que queremos ver. Somos escravos de nós mesmos, de nosso olhar. Queres algo mais difícil do que notar as mudanças diárias de nossa própria face? Se a visão é o principal ou mais apurado de nossos sentidos, por que somos tão cegos? Por que somos tão presos ao que vemos? Se os olhos são as janelas da alma, por que não enxergamos com o coração? Por que não é o mundo que entra por estas portas? Por que só o que escolhemos? Tantas vezes, compadecemo-nos de cães de rua magros, sujos, de pelos desgrenhados e um penetrante olhar pedinte, ao passo que em inúmeras ocasiões simplesmente abstraímos a imagem dos mendigos que topamos nas ruas. Ignoramos a história que está atrás daquela figura nauseabunda. Há uma vida ali, há um ser humano igual a nós, igual a nós… Por que criamos tantos tapa-olhos? Não devemos ver apenas as mudanças já consolidadas, ao contrário, necessitamos de mudar e ver, devemos vê-las mudar. Às vezes, penso que seria melhor se estivesse cego para poder enxergar melhor, sem ver.

Jova
Enviado por Jova em 23/10/2017
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