Ocasião fazendo ladrão

Parecia um dia normal, quarta-feira quente, sol de quase quarenta graus no asfalto, chegando a trinta e sete na sombra. As pessoas se apertavam sob a cobertura do ponto de ônibus, bons e maus odores circulavam livremente. O vendedor de picolés agradecia, cada volta que dava eram dois ou três a menos. Pouco depois passava com sorriso largo, dando adeus ao vendedor de salgados que limpava o suor com um guardanapo engordurado. Um carro de som vinha lento subindo a rua, chamava atenção para as promoções de uma loja, “Calça jeans a preço de custo e camisetas de varias cores a cinco reais!” repetia, o endereço o volume estava alto, “recebemos todos os tipos de cartões!” Uma senhora que marcava um xis no jogo dos erros em uma revista de cruzadas, parou para ouvir direito e fez anotações do que o carro dizia. O vendedor de salgados finalmente concluiu sua jornada, a gordinha com uniforme azul de uma Farmácia, comprou o que tinha de sobra na estufa. Parou um Mototaxista oferecendo serviço, gritava com pressa e cisma de ser flagrado pelos fiscais da Prefeitura, ao ouvir o apito acelerou e partiu. A senhora que marcava o jogo dos erros estava mergulhada no seu entretenimento, desta vez caçava palavras com nomes de capitais brasileiras, Rio de Janeiro, Manaus e Goiânia, estas foram fáceis os jogos tem disto, provocam a sensação de simplicidade depois dá os nós na cuca do jogador. Enquanto ela queimava os neurônios, um olhar de malicia observava sua bolsa que estava aberta, cada vez que chegava alguém no ponto, quem já estava se via obrigado a ficar mais próximo do outro, aquele sujeito de cabeça raspada e tatuagem do Timão (símbolo do Corinthians) ganhava álibi para o corpo a corpo. Quando o ônibus que a mulher esperava encostou, ela saiu apressada trombando em quem estivesse a frente feito jogador de futebol americano em busca de pontos. Junto a ela ia o sujeito colado feito Rêmora deslizando meticulosamente as mãos com os dedos em forma de pinça, para puxar a carteira. Com agilidade felina escondeu-a em baixo da blusa e andou em outra direção, pouco a frente em suspiro de crime perfeito, olhou para o ônibus e percebeu que a dona da carteira mexia preocupadamente na bolsa sobre a bancada do cobrador. O desespero dela foi seu gozo de felicidade, o ônibus saiu devagar, enquanto um sorriso inescrupuloso se expandia no rosto dele. Mas um braço forte aplicou-lhe uma gravata enquanto outro lhe torcia o punho esquerdo para trás. Assustado tentando se esquivar daquela força implacável, dizia não ter cometido crime algum, era engano. Porém a multidão de curiosos, sempre presente em eventos desta natureza, provocou a chegada da policia que já estava ciente pelas imagens das câmeras. Para a surpresa de todos, um senhor avermelhado pelo sol que vinha pulando de muletas e exibindo sua perna amputada, gritou que fôra furtado. Antes que fosse punido por tentativa de apropriar da situação, o policial abriu a carteira e conferiu que era verídica sua denuncia. Na delegacia o caso foi solucionado, aquela senhora com jeito distraído fazendo “cruzadinhas” era uma ladra, batedora de carteiras, procurada policia. O sujeito ainda não tinha passagens, disse que furtou para usar drogas.