ESQUIZOANÁLISE

Acordou pela manhã e não abriu as cortinas da sala, não ligou o rádio e não pegou o jornal, nem mesmo seu pijama teve vontade de tirar. Saiu devagar do quarto, não queria acordar a bela que ao seu lado dormia em sonhos onde os prazeres residem, ele queria estar sozinho.

Hoje acordou se sentindo só e com uma tristeza sem nome em seu coração. Zeca Baleiro entende: "Eu tava triste, tristinho! Mais sem graça que a top-model magrela na passarela. Eu tava só, sozinho! Mais solitário que um paulistano, que um vilão de filme mexicano". Não ligou o celular, evitou olhar aqueles inúmeros rostos que sorriem como se a vida fosse só felicidade. Também não atualizou o Instagram, pois sabe que a maioria não aceita este estado melancólico, é proibido ser triste nas redes sociais, pois a felicidade é tirana, mas também sabe que “A felicidade é o motivo de todas as ações de todos os homens, inclusive dos que vão se enforcar” como disse o filósofo francês Blaise Pascal.

“Seria mau para os negócios", diriam alguns; "as pessoas vão deixar de te seguir", diriam outros; mas não podia negar a realidade de que hoje acordou mais abatido que frango de aviário, a tristeza nos envia para um banco de memórias de dor, onde residem as perdas, erros, fracassos, dificuldades, angústia e solidão, ela nos envia ao lugar onde moram os monstros.

É nesse lugar de dor que você precisa ir pra sentir que algo se perdeu, ou seja; que algo aconteceu que não lhe serve ou lhe provoca mal-estar. É neste lugar que precisamos descobrir o que é que nos incomoda. Isto aponta para um problema mais amplo que muitas pessoas enfrentam no seu dia-a-dia, elas não querem refletir seus dilemas, elas querem ser feliz eternamente, uma felicidade estranha e besta, uma felicidade de pílula, tem tempo pra acabar e precisa que haja dopagens cada vez maiores pra sustentar esse lugar de gozo.

“E mais importante do que o pensamento é aquilo que faz pensar”; afirma Deleuze. A tristeza objetiva este ato, refletir nosso lugar de conforto, refletir nosso lugar no mundo, refletir nossos sonhos e nossas satisfações, a tristeza é o veículo dos pensamentos, ela vem para lhe dizer que algo precisa mudar.

É no entristecer que se olha pra dentro de si, que passamos a ter um olhar mais crítico para as atitudes e observamos os erros. Como pedir perdão, sem sentir a culpa? Como perder algo amado, sem sentir remorso? Como abandonar uma dor que teima em existir? Como lidar com uma emoção que não consegue ser esquecida? Este sentimento que produz estímulos internos é uma resposta natural para essas emoções, e liberam hormônios cerebrais, chamados neurormônios, responsáveis pela angústia, melancolia ou coração apertado.

A tristeza diz que está na hora de mudar, de fazer alguma coisa a respeito disso, como ensina o poeta de Itabira Carlos Drummond de Andrade: “A dor é inevitável, o sofrimento é opcional”. Não há como fugir da tristeza, mas dá para mexer no significado dos estímulos fazendo com que ela apareça em menor grau de intensidade, e assim o sofrimento se esvai, mas sempre haverá a tristeza, ela faz parte da impermanência do viver, onde tudo é transitório, em constante mudança. Como canta Renato Russo: “Tudo é dor, e toda dor, vem do desejo de não sentirmos dor”. O escritor Bruckner afirma que: “Hoje em dia, sofre-se também por não querer sofrer, do mesmo modo que se pode adoecer de tanto procurar a saúde perfeita”.

O compositor alemão Ludwig van Beethoven redigiu a maior parte de suas sinfonias, incluindo a “Nona”, em momentos de profunda tristeza, pois a tristeza não nos impede de sonhar. Acordou triste, mas agora ela já está indo embora, vai sentar e escrever, os sentimentos que apertavam o seu peito estão se desanuviando, precisava apenas olhar pra dentro de si e perceber que é feito de sonhos, enquanto escreve precisa de luz, abre já as cortinas da sala, e sente o cheiro do frescor da manhã, o café exala aroma na cozinha, volta a ser ele mesmo. Liga o radio e ouve Milton cantando Lô Borges: “Porque se chamavam homens, também se chamavam sonhos e sonhos não envelhecem...”. Voltou a sorrir de novo, está pronto pra mais um dia.

Jairo Carioca
Enviado por Jairo Carioca em 24/10/2017
Código do texto: T6151982
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