Chopin Para Ler ... Não Ouvir


A morte começou a visitar Kate ainda menina. Suas irmãs faleceram ainda bebês e seus irmãos mais velhos por parte de pai vieram a morrer antes de completarem vinte e cinco anos. Aos cinco anos, perdeu o pai, Thomas, um irlandês muito bem sucedido no Sul dos EUA.  
Essas perdas todas fizeram Kate se aproximar  ainda mais da mãe, Eliza e mais duas mulheres essenciais em sua vida: sua avó e bisavó. O mundo de Kate cheirava a perfumes e era todo colorido pelas figuras femininas que a criaram com muito amor e carinho.
Kate era uma verdadeira apaixonada pela literatura, principalmente pelas fábulas, poesias, histórias biblicas e romances. Passou sua infância e adolescência lendo e estudando no Sacred Heart Convent in St. Louis, Missouri.  Não demorou muito depois da sua formatura para receber o pedido de casamento do Oscar Chopin, latifundiário e corretor bem succedido de uma cidade rural de Missouri. Tinha apenas vinte anos, conhecia o mundo apenas através das histórias e romances que leu e queria mais.
Porém, o casamento a levou para longe onde o marido tinha seus negócios e no espaço de oito anos, Kate e Oscar formaram uma bela família: cinco meninos e uma menina, nessa ordem. 
Junto com o nascimento da filha vieram as dificuldades nos negócios e a corretora do Oscar declarou falência. Três anos depois ele faleceu deixando Kate uma dívida de $42,000.00 e várias pendências comerciais. Kate assumiu comando dos negócios e tentou a todo custo recuperar a fortuna do falecido marido e honrar seu nome na praça.  
Nesse meio tempo as más línguas atacam a viúva Chopin, principalmente a língua afiada da Emily Troth: "Durante um bom tempo, a viúva Kate administrou os negócios dele (do Oscar) e descaradamente flertou com os homens da cidade toda vez que fosse possível. Até um 'affair' com um renomado fazendeiro casado ela teve."   
Foram dois anos aos trancos e barrancos, mas Kate conseguiu manter os negócios nos trilhos fazendo sacrifícios e vendendo algumas terras. Mas a mãe, vendo quanto a filha sofria para dar conta de tudo sozinha, implorou que largasse tudo e voltasse  para St. Louis onde tudo seria mais fácil para criar os filhos com tranquilidade. Kate aceitou a ajuda finaceira da mãe, quitou as dívidas pendentes e voltou para St. Louis com as crianças e seu coração mais leve e pronto para recomeçar.
Com o amor e dedicação da mãe, Kate e seus filhos logo se adaptaram à nova e agitada vida social da cidade grande. Viveram felizes aproximadamente um ano até que a morte resolveu levar Eliza, a mãe da Kate. 
Não bastasse sua batalha contra a depressão que começou logo após a morte do marido, Kate perdeu o chão mais uma vez com a perda da mãe.
Durante uma consulta, Dr. Frederick Kolbenheyer percebeu os sinais emitidos pela Kate. Sua paciente estava cansada e depressiva. Ele conhecia muito bem a Senhora Chopin e nunca a viu tão vulnerável como naquele dia, nem mesmo durante suas seis gestações. O doutor achou melhor não  receitar medicamentos para mascarar a realidade de Kate. Seis filhos para criar, uma casa e bens para uma jovem administrar sozinha. Kate não podia se entregar à depressão. Sabendo da sua paixão pela literatura, o doutor sugeriu que Kate escrevesse. Acreditava que ao relatar suas idéias e opiniões num diário, a Kate conseguiria aliviar sua dor e outros sentimentos que a tormentavam. Escrever seria a terapia perfeita para entretê-la. Quem sabe, canalizando toda aquela energia que minava de Kate poderia fazer dela uma escritora e ainda conseguir uma fonte de renda de lado. 

Meus caros leitores, estou escrevendo sobre uma senhora de trinta e cinco anos que viveu tudo isso em pleno século XIX. 
Se fosse hoje, creio que essa mulher teria perdido o juízo dando à luz logo no parto do terceiro filho. Provavelmente, nem teria chegado ao sexto parto viva. Nem tão pouco teria assumido uma dívida de $42,000.00 (quarenta e dois mil dólares enaquela época e hoje estimada em quinhentos mil dólares), os negócios do marido, muito menos teria enfrentado tantas difuculdades e ralado durante dois anos tentando honrar o nome do pai de seus filhos.  


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Katherine O´Flaherty  (8 de fevereiro  de 1850 - 22 de agosto de 1904), ou simplesmente Kate Chopin, autora de contos e romances que occorem em Louisiana. Hoje, Kate é considerada a precursora das autoras feministas do Século XX com influência das tradições Sulista dos EUA e da religião Católica, como a Zelda Fitzgerald (1900 - 1948).  

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Já no fim do século XIX, os autores evitavam certos assuntos nos  seus romances e artigos. Não eram ousados, nem tão pouco sensiveis o suficiente para abordar os inúmeros tabus. Kate, ainda coadjuvante no mundo literário, foi logo abraçando todos os temas que vinham à sua mente e tocavam sua vida e coração, independente de serem ou não temas ousados. Naquela época, Chopin era rotulada de feminista ousada, descarada e sem pudor por quase todos os escritores que na grande maioria era do sexo masculino.
Hoje, ela é vista com outros olhos, segundo Elizabeth Fox-Genovese, Professora da Emory University (Georgia, EUA), "Kate não era femista, nem sulfragista. Ela mesma declarou isso publicamente nas suas entrevistas. Era apenas uma mulher que levava sua existência como mulher extremamente a sério. Kate nunca duvidou da capacidade da mulher em ser forte e corajosa."  O caráter e as posses que os personagens da Kate tinham ou não, mais a vida social que levavam eram fortemente entrelaçados com a empatia que a autora tinha por cada um deles.    


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As histórias da Kate Chopin contam suas experiências e aquelas dos amigos,  conhecidos e povo do sul onde ela conta tudo que viveu e tudo que aconteceu ao seu redor, até mesmo os movimentos abolicionistas antes da Guerra Civil Americana, e a influência desses movimentos na criação, educação e direitos dos homens, sem esquecer de manifestar a necessidade e a vontade da mulher querer se expressar com liberdade.  Suas idéias e descrições  não eram relatos, mas a verdade do mundo dela como mulher onde era censurada e proibida de quase tudo.  
Kate tinha interesse profundo do mundo que a cercava e anotava cada detalhe que despertasse sua atenção. Ela não buscou confrontar os homens, apenas dava voz aos seus personagens. A versão 'oficial da vida' nos contos da Kate é aquela que o homem criou para a mulher e isso fez muito leitor de Kate Chopin ponderar.  Kate não precisou destacar a violência nem a submissão nos seus trabalhos literários. Bastou dar fibra, ousadia e coragem às mulheres das suas histórias para fazer o leitor masculino questionar esse mundo masculino que proibia a força feminina de manifestar, enquanto as leitoras sonhavam com um mundo feito para o sexo feminino. Obviamente que a autora exagerava as vezes. Era seu jeito de despertar a imaginaçao dos seus leitores, principalmente das mulheres que liam seus romances as escondidas dos pais e maridos. Tudo era proíbido, imoral e ilegal naquela época para o sexo mais frágil, mesmo com a chegada do Século XX, a era da modernidade que prometia revoluções.
Kate mexia com os neurônios das mulheres cada vez mais. E os homens? Eles queriam ver essa autora ousada pilotando o fogão, cuidando dos seis filhos e trancada a sete chaves em casa.


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Kate abordava tudo aquilo que a sociedade proibia a mulher de fazer, sentir, sonhar e viver.  

E pensar que tudo começou com a sensibilidade do seu médico e obstetra Dr. Frederick Kolbenheyer que viu a potência daquela mulher e recomendou que escrevesse para botar para fora seus demônios e dor. 

Hoje, infelizmente, o médico mal olha no rosto do paciente, nem mesmo toca em sua mão. As perguntas essenciais que ajudam a concluir o estado clínico do paciente são ignoradas. Se o problema for depressão, o médico passa uma receita com o nome de um 'remedinho' e pronto. Tudo se resolve com remédio e o tempo ...  menos o suicídio, a morte. 

Que sorte da Kate, não é mesmo?
Calada Eu
Enviado por Calada Eu em 26/10/2017
Reeditado em 29/10/2017
Código do texto: T6153689
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