Há quanto tempo, meu amigo!
Um intenso movimento numa tarde de sexta-feira em minha cidade é o resumo perfeito do que estamos vivendo nos dias de hoje. Trânsito intenso, gente que corre de um lado para o outro, fazendo compras, preocupados com pagamentos, com as filas que têm de enfrentar... Quanto estresse!
Numa dessas agitações, observei de perto dois senhores. Conhecia-os de vista e sabia que se tratava de velhos amigos. Casualmente, acabavam de se encontrar numa avenida. Um, tenho lembrança, há anos não reside mais na cidade e a forma como contemplava o movimento, me fez crer que estivesse em visita. O outro, motoboy, sempre é visto pelas ruas e, como tal, presta serviços para lojas e empresas. Cumprimentaram-se e iniciaram ali uma conversa eufórica, num misto de alegria e ansiedade em busca de notícias um do outro. Durou pouco o assunto. O visitante é surpreendido pela chamada do celular do amigo, que começa uma conversa com alguém sobre trabalho. Passadas algumas instruções, suponho, a ligação se encerra. Mas, de novo, o celular toca. Era outra conversa. Ele pondera rapidamente:
– Um instante só, amigo!
Esta ligação, entretanto, se alongou. O amigo tenta dizer que tem um compromisso urgente e precisa ir embora. Gesticula e fala baixo, em respeito à conversa até que, sem alternativa, faz um convite ao colega:
– Vamos tomar um café rápido, ali na lanchonete?
O amigo não consegue responder. Constrangido, o visitante, ainda gesticulando, acaba por se afastar da cena, em tom de despedida. O anfitrião não conseguia lhe dirigir uma única palavra. Foi percebendo, agoniado, que o seu interlocutor, aos poucos, foi sumindo na multidão. Partiu sem que tivessem dialogado um mínimo possível. Poderiam ter fornecido os contatos um do outro. Nem isso.
Já se passara algum tempo quando chamadas ainda se sucediam naquele celular. Mas, para aquele senhor, um único e improvável telefonema era o que ele mais ansiava: seu amigo ligando para dizer que em outra ocasião voltaria à cidade, para conversarem por mais tempo.
O trabalho daquela tarde terminou. Temos agora um combalido senhor que, com visível chateação, decide desligar o aparelho. Nunca o faz, por motivos óbvios. Mas esta foi a única alternativa que lhe restou.
Luciano Abreu
Enviado por Luciano Abreu em 27/10/2017
Reeditado em 27/10/2017
Código do texto: T6154471
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