The corneta never ends

O Grêmio está na final da Libertadores. “Nós vamos acabar com o planeta!!!” Ano passado, o Grêmio foi campeão da Copa do Brasil, aliás, pentacampeão, o único! E no Brasileiro, o co-irmão caiu, para a “ão-ão-ão” segunda divisão. Que maravilha! Grêmio campeão é tudo de bom. E “eles” rebaixados é melhor ainda! “Até a pé nós iremos” tocar flauta no co-irmão.

Os gremistas ouvimos muita corneta, flauta, zoeira, nos anos 70, depois muito festejamos nos anos 80 e 90. Ouvimos de novo nos intermináveis anos 2000 e 2010, e agora mais recentemente voltamos a vibrar! E a listinha de cornetas do co-irmão foi se reduzindo desde o ano passado: “time grande não cai”, “quinze anos sem título”, “só nós temos mundial”... A saída agora tem sido apelar para qualquer miudeza, as flautas fracas. Não demora, voltam a colecionar camisetas de qualquer-time-que-enfrente-o-Grêmio, como nos anos 90… :-P A conhecida imagem da gangorra representa muito bem essa dinâmica do futebol gaúcho.

É a rivalidade Gre-nal que move a corneta. - Ou é a corneta que move a rivalidade Gre-nal? Se lembrarmos as maiores rivalidades futebolísticas do mundo, percebemos seus motivos: BocaXRiver: pobres contra ricos; BarcelonaXReal: catalães contra espanhóis; NacionalX Peñarol: estrangeiros contra uruguaios; CelticXRangers: católicos contra anglicanos; Lazio XRoma: direita contra esquerda; FenerbahçeXGalatasaray: europeus contra asiáticos; LiverpoolXManchester: porto velho contra porto novo. Todas essas rivalidades se formaram em contextos de inimizades políticas, religiosas, nacionalistas, econômicas ou ideológicas. Mas e a rivalidade Gre-nal, a maior do nosso país, o que a motiva? Talvez a oposição inicial entre alemães e brasileiros, ou entre a elite e o (clube do) povo, talvez o orgulho gaúcho, ou a dita propensão do gaúchos à batalha? Talvez a mera constatação de que o time iniciante era muito ruim e precisava se tornar mais competitivo frente ao outro. Talvez. Mesmo sendo considerada uma das dez maiores rivalidades mundiais, a nossa parece não ter muito motivo. :-} Talvez seja mesmo a corneta.

Mas o que explica a corneta? (Seria apenas o ódio mútuo, intenso e eterno?) Por definição, tocar corneta “é vangloriar-se diante do torcedor adversário, destacando as qualidades do time diante do perdedor. Faz parte do futebol e da paixão dos torcedores. Cabe ao perdedor levar a gozação na esportiva, esperar a recuperação do seu time e então ir para a desforra.” Seria quase como duas crianças de segunda série se xingando, mas continuando amigas.

Uma parte do mistério a Psicologia já esclareceu: as ações de assistir ao jogo de futebol, ir ao estádio, envolver-se como espectador nessa disputa, servem todas para liberar tensões, raivas, frustrações e toda a negatividade da vida cotidiana. (Que o digam os árbitros!) Já o ato de tripudiar do adversário faria parte de uma reafirmação da própria personalidade, da autoestima e da união de um grupo, a conhecida identificação nós-eles - ou seria apenas uma teimosia infantil. Se o time ganha, o torcedor pega uma caroninha na glória de estar do lado vencedor, e sente orgulho, confiança, fé. Se o time perde, o torcedor aprende a reprimir a raiva e a buscar conforto nesse orgulho. Não se pode pedir coerência a torcedores, mas a consciência de que “no futebol as coisas voltam” deixa claro que uma corneta pagará outra. A corneta tocada hoje já pressupõe uma resposta amanhã. A corneta ouvida é inesquecível. E será devolvida na primeira oportunidade, ainda que demore. Ajax se paga com Mazembe.

Desse jeito esquisito, podem se consolidar amizades de muitos anos entre torcedores rivais. Essas estranhas amizades podem se manter pela simples “necessidade” de voltar a falar com o amigo-torcedor-rival para devolver as provocações e fruir aquela satisfação perversa. Atualmente, também se pode contar com a tecnologia das redes sociais, para viralizar a corneta instantaneamente, desde o exato momento em que o nosso time ganha um título, uma vaga, seja o que for, ou que o co-irmão perde feio, fiasqueia, é eliminado ou rebaixado.

Há quem diga que os brasileiros gostam não de futebol, mas sim de falar sobre futebol. Dizem que os mineiros talvez gostem mais do caneco do que da partida. Mas por aqui, o que nós certamente apreciamos é essa saudável prática da corneta, essa quase-instituição gaúcha, tão tradicional quanto o chimarrão de manhã e o churrasco no almoço de domingo.

Hoje, os dois times são campeões mundiais de clubes e bicampeões da Libertadores. Juntos, têm cinco Brasileiros e seis Copas do Brasil, e claro, dezenas de taças do Gauchão. “No fundo”, as duas metades do Rio Grande sabem que o seu time não seria tão grande se não houvesse a rivalidade com o co-irmão. Por isso mesmo, a corneta nunca tem fim. :-)