Asdfg?

Esta é a história de Antônio, Tonico para os amigos. Tonico (já é meu amigo desde quarta quando comecei a escrever esta crônica) era um cara simples e que valorizava os velhos tempos. Carregava dentro de si uma nostalgia controlada, que não deixava ele ser aquele chato que vive no passado, mas sempre que podia procurava trazer o passado para o presente. Os indícios estavam presentes no estilo de suas roupas que não mudava há vinte anos; por ele gostar de ouvir um vinil numa vitrola antiga que mantinha em perfeito estado; pelo carro que tinha: um Karmanguia vermelho que chamava a atenção por onde passava. Porém o cuidado e capricho com a apresentação pessoal e com seus pertences faziam dele, digamos assim, um cara “vintage”. Ele era contrário a americanismos e se o termo tinha um similar ou pudesse ser traduzido para o português era este que ele usava. Assim nada de convidar o Tonico para comer um Hot-dog, apesar dele adorar um cachorro quente.

Era um cara agradável, que apesar de não gostar de certos modernismos, nunca fazia um comentário depreciativo a respeito de alguma nova tecnologia e sentia-se a vontade e entrosado com qualquer grupo ou tribo, apenas defendendo quando instigado, aí sim com personalidade, suas convicções e preferências, sem precisar desmerecer opiniões dos outros.

Ele explicava que assim como a nova tendência para os motores de carros, procurava descomplicar para ser mais eficiente, o que para a vida podia ser traduzido por ser mais feliz.

-Ah, você quer dizer “Downsizing” – falava todo feliz algum interlecutor imaginando ter encontrado um termo que resumia a filosofia de vida do Tonico.

-Na verdade quero dizer “com menos ser mais” – corrigia Tonico - desconfie destes termos americanizados. Nas empresas, por exemplo este é só um eufemismo para corte de pessoal.

Ele era solteiro, mas sonhava em encontrar sua tampa, afinal toda panela tem a sua. O ditado popular era um consolo, apesar de desconfiar lá no fundo que podia ser, digamos assim, uma frigideira, e que estaria fadado a ser tio, pois seus irmãos, quatro ao todo, já tinham casado e ele, que era o do meio, estava ali ainda patinando. Mas ele mantinha a esperança e procurava sua princesa que num encontro casual se mostraria sua alma gêmea e, se sua história fosse narrada, a partir deste momento teria o direito dos finais dos contos de fadas com o merecido “e foram felizes para sempre!”. A sua estratégia é que não era lá muito boa, pois quando conhecia uma potencial princesa, na primeira oportunidade ele saia com a pergunta:

-Asdfg? – A pergunta às vezes vinha até antes das primeiras informações do tipo “Como é seu nome?” Ou “Onde você mora?” Ou “O que você faz?” Ou “Do que você gosta?”. A ansiedade era tanta que ele atropelava etapas e buscava verificar se a moça daria a resposta certa. Para ver se um eventual projeto de relacionamento daria pé. O “asdfg” era o sapatinho de cristal e ele procurava a resposta certa para calçar a certeza da sua futura princesa. A resposta certa seria, pelo menos no imaginário do Tonico, a garantia de um bom começo. A resposta certa iria denotar um conhecimento que ele considerava que só pessoas apaixonadas pela máquina de escrever podiam ter. Neste caso teriam muito que conversar, pois aquela comunhão de idéias daria muito pano para manga ou folha para o rolo. Aquela pergunta era como o desenho de uma Jiboia que tinha engolido um elefante. Claro, assim como o aviador quando criança de Antoine de Saint-Exupéry em “O Pequeno Príncipe” ele buscava quem entendesse seu desenho, no caso sua pergunta. Aquelas letras faziam parte das primeiras aulas que ele teve quando fez o curso de datilografia. Ele ainda guardava um quadro que emoldurava seu Diploma de Datilógrafo. Está certo que agora tinha saído da parede, pois ele não queria ser motivo de chacota. Mas aquela repetição proveniente dos primeiros exercícios da datilografia o arremetiam a um ritual que ele considerava quase que sagrado. Antigamente as folhas não eram abundantes e um erro no final de uma página poderia determinar um retrabalho que era marcado por um amassar com vontade e fazer bolinha que era arremessada com raiva para um cesto de lixo próximo. Não existia escrever numa tela e corrigir para depois imprimir: Era na raça! E tinha que ter um ritmo, com força e velocidade bem ajustados às idéias que iam surgindo. Às vezes uma pausa para reler o que já estava escrito, enquanto em segundo plano a mente processava a próxima frase. Mesmo que as idéias estivessem transbordando ele tinha que manter o ritmo. A pressa no acionamento mecânico das teclas faria com que acavalassem as hastes que iriam imprimir as letras. Datilografar tinha seus segredos.

-O quê? – Ele Até repetia a pergunta, mas sem aquele entusiasmo, pois sabia que o problema não era com audição ou dicção e sim a falta de compreensão do que foi dito.

Se ele encontrasse a princesa ele a apresentaria para uma Remington, herança do seu pai, que seu zelo tinha mantido quase que em perfeitas condições, com uma ou outra tecla um pouco mais preguiçosa para retornar a posição original depois de ter registrado no papel sua letra.

Ele já se imaginava batendo uma poesia ao vivo - claro que já estava decorada e ensaiada, mas claro também que a princesa não precisaria saber.

-Um novo tipo de jogo? É RPG? – outra desclassificada e ainda por cima gostava de vídeo games. Imagina ele querendo conversar e ela pedindo para esperar um pouquinho, pois estava quase completando uma fase - Sem chances.

-Eu também gostei de você. – Como assim que resposta era esta? Será que a Fernanda, nome da moça que estava ao seu lado esquerdo, não tinha entendido o que ele falou? O lugar era um bar com música ao vivo e realmente estava difícil de manter uma conversa. Ele estava lá a convite de um amigo, o Paulo, que estava comemorando uma promoção na empresa e tinha chamado uns amigos para comemorar. Completavam a mesa um casal, Pedro e Bianca e uma ruiva muito bonita chamada Luiza que estava ao seu lado direito. Os amigos do Paulo eram todos da empresa que ele trabalhava. Tonico era o único de fora da empresa que tinha sido convidado: era um amigo que Paulo tinha muita consideração, pois tinha a convicção na felicidade natural dele com seu progresso.

Luiza cutucou Tonico e disse:

-Çlkjh!

-O que? Perguntou Tonico. Apesar do som alto ele tinha escutado, pois Luiza falou bem próximo ao seu ouvido, fazendo com que ele sentisse o perfume delicioso da moça. Ele só não estava, digamos assim, preparado.

-Çlkjh! Você não perguntou “Asdfg?” Estou respondendo - falou Luiza. Tonico ficou meio atordoado: sim ela estava respondendo. Aquela resposta, era a que ele sempre quis ouvir, a moça era desimpedida, linda, perfumada, tinha cabelos compridos e nem em seus sonhos mais promissores ele tinha imaginado uma princesa tão maravilhosa.

-Você conhece o teclado QWERTY? – Tonico tava abortando qualquer prosa interessante com aquele comentário. Ele não tinha idéia de como continuaria uma conversa quando finalmente encontrasse sua princesa, mas aquilo definitivamente não era o melhor jeito.

-Sim, mas porque você perguntou?

-Por nada não era só para puxar papo, mas aqui está muito barulho, o jeito é bebemorar – pegou seu copo de cerveja e levantando propôs um brinde – À promoção do Paulo, que ele seja muito feliz na nova função. Sucesso! - todos levantaram seus copos e brindaram. - Tonico não sabia direito o porquê teria cortado a conversa.

Eis o motivo:

-Ei! Stop my friends, deixe-me tirar uma sélfie. – disse Fernanda, cheia dos ameracismos. Depois um puxa para cá um desliza o dedo para lá e ela apresentou o resultado: já tinha editado a foto e feito carinhas de cachorro nas pessoas. Todos riram, mas a risada de Fernanda era algo especial e seu jeito sapeca era apaixonante. Ali estava o motivo para não dar corda para a dona da resposta certa. Que remington que nada, Tonico pediu o telefone da Fernanda e imediatamente pôs-se a escrever aquela poesia decorada para mandar via Whats para Fernanda.

Paulo estranhou o Tonico ali mexendo no celular, logo ele que não gostava de pessoas que se encontram para conversar e ficam on-line nas redes e off-line na conversa com os presentes.

-Ué Tonico, aderiu ao modernismo bem na minha comemoração?

Meio sem graça e já guardando o celular, Tonico disse:

-Não, é que eu senti vibrar e pensei que talvez pudesse ser minha mãe, ela disse que não estava muito bem hoje.

-Nossa! O que aconteceu? Por que você não me falou?

Meio arrependido pela mentira salvadora Tonico tentou minimizar:

-Não era nada, era só uma indisposição. Ela anda meio carente ultimamente. Hehehe. Acho que está bem. Amanhã dou uma passada lá e depois eu te conto. Tenho certeza que minha visita verá uma senhorinha bem feliz e plena de saúde.

A conversa seguiu animada até a madrugada, quando o cansaço foi ganhando força e dizendo para a animação que era hora de parar. Pedro e Bianca foram os primeiros a se despedir. Bianca ia de motorista, pois tinha bebido pouco e se sentia bem para dirigir. Fernanda e Luiza que eram vizinhas resolveram chamar um motorista por aplicativo. Tonico tinha vontade de lavar a Fernanda para casa, mas estava sem condições de dirigir. Quis pedir para que Fernanda ficasse mais um pouco, mas ficou sem graça. Já tinha o número do telefone dela e tinha planos de já no outro dia ligar. Enfim ficaram os dois amigos já bem alegres e Paulo falou:

-Só mais uma, a saideira.

-Vou ter que sair carregado. Você é fogo. Mas...Beleza então, que venha.

-E ai gostou das minhas colegas de trabalho?

-Elas são lindas e super simpáticas.

-A ai o que achou da Luiza. Ela tem uns gostos meio parecidos com os seus sabia?

-Como assim?

-Outro dia no cafezinho eu falei de você para ela e ela me pareceu bem interessada. Foi por isto que eu a convidei.

-Como assim, "falou de mim"? O que você anda falando de mim por aí? – Tonico pareceu não gostar muito da idéia.

-Não falei nada de mais.

-Você falou sobre a minha pergunta para ela. – Paulo, como amigo íntimo de Tonico já sabia da famosa “Asdfg?”

-Acho que não –falou meio titubeante.

-"Acho" ou não falou?

-Talvez tenha escapado.

-Mui amigo você hein? Não preciso de nenhum cupido, viu? – Falou contrariado Tonico –Agora entendi porque ela me respondeu a pergunta da forma certa.

-Tá bem, eu reconheço que falei, mas se ela usou a resposta certa é porque ela está interessada. Afinal você não gostou da Luíza?

-Quer saber mesmo Paulo? Eu gostei mesmo foi da Fernanda. Aquela hora que você me pegou no telefone eu estava começando a escrever uma poesia que eu iria passar para ela no Whats.

-A Fernandinha?

-É. Por quê?

-Sei lá, começa por ela adorar usar um termo em inglês. Mas vamos lá termine de escrever sua poesia. Mande agora. Ela já deve ter chego em casa.

-Ok vou terminar e enviar. - Qualquer outra pessoa que fizesse o pedido seria de imediato rechaçada por sua intromissão, mas Tonico e Paulo eram como dois irmãos. Terminou de escrever e enviou a mensagem. Alguns minutos depois veio a resposta da Fernanda e juntos leram:

-ñ me diga q vc fez esta poesia now?! - Paulo deu um sorriso maroto e Tonico sabia que era por conta do "now".

Tonico não conseguiu mentir e respondeu:

-Na verdade esta pronta faz muito tempo, esperando que eu encontre a pessoa certa. – Fernanda respondeu com um coração pulsando. E uma pergunta:

-Agora a pouco no bar você não disse que gostava de mim né?! Você perguntou “ASDFG?” Né?! Vi vc conversando com a Luíza. O q quer dizer?

-É uma longa história. Por whats não é o melhor jeito de contá-la para você. Que tal tomarmos um café ou almoçarmos amanhã?

-Ok, um almoço mas só depois das 13h. Estou quebrada e ninguém merece acordar cedo no domingo.- combinaram horário e ponto de encontro. Paulo cobrou:

-Depois você me fala tudo hein?!

...

No domingo à noite Paulo, morrendo de curiosidade, ligou para o amigo.

-Pô Tonico, você não me liga. Eu estou morrendo de curiosidade. Me conta! E aí?

-Conversamos bastante. Eu pude conhecer a Fernanda melhor e ela também pode me conhecer. Foi muito bom e combinamos outro encontro para amanhã, um jantar.

-Tá e os estrangeirismos que ela utiliza de montão? Como é que fica?

-Paulo, keep calm e torça por mim.

-Como é que é? O Tonico falando inglês? É... você está apaixonado mesmo hein?! kkk.

-Olha Paulo vou te dar um feedback: A Fernanda é UP! rsrsrsrs.

-kkkkk Ok, Ok, Good luck!

-Thanks.

Bom pessoal, não sei eles foram felizes para sempre, mas a última notícia que eu tenho dos dois é que estavam procurando trocar de carro. Talvez um fusca, pois o Karmanguia não comportava uma família e o junior já vinha por aí.

É...O amor destrói qualquer establishment.

Long live the love!