O Papa

Há poucos dias, no banco, fiquei a admirar esta maravilha dos tempos modernos que é a fila única, com o seu painel eletrônico nos direcionando para os caixas. Coisa boa, para nós e para os funcionários, sobretudo os mais lentos, que não vivem o constrangimento de ver as filas dos colegas fluírem mais rápido e não têm de ouvir comentários queixosos de clientes mais apressados.

A situação me fez lembrar do Papa, cujas façanhas eu não conhecia até que um amigo, funcionário de minha agência, alertou-me para a rapidez do Papa-Filas – apenas Papa no carinho dos colegas de trabalho, que mais o admiravam do que invejavam naquele banco público.

– Eu faço o melhor de mim, mas devo reconhecer que a rapidez do Papa acaba inibindo a gente – sentenciou-me o amigo. – O homem vale por três, completou.

A partir daquele dia, fiquei atento e, quando o Papa lá estava, eu me deslocava para sua fila e era atendido primeiro. Pude constatar várias vezes que alguns clientes mudavam para a fila do Papa, e o trabalho fluía, fluía, e era tudo tecnicamente perfeito, e as contas se fechavam primorosamente, segundo o amigo, que fundamenta este relato.

Certa feita, atendia o Papa-Filas com a presteza costumeira, quando foi pagar um cheque e não encontrou nos arquivos o autógrafo do signatário. O Papa – na sua eficiência – aborrecia-se com fila longa... Fila parada, então!... Concluiu, rapidamente, que a ficha se perdera e pediu a um amigo que ligasse ao cliente para que viesse assinar outra ficha. O amigo refugou, e o próprio Papa (a fila estacionada...) fez a ligação telefônica comunicando o sumiço cadastral.

Voltou ao trabalho, adiou o pagamento do cheque, e, em alguns minutos, o pequeno atraso fora recuperado. Ninguém mudara de fila... Dali a pouco, chega o titular do cheque. Um advogado vestido à advogado que vai para o júri. Quis saber quem telefonara e curto e grosso disse que não assinaria de novo e...

As reticências ecoaram na consciência do Papa, que pensou em advertência, processo administrativo e até demissão. Ato contínuo, o Papa-Filas convocou alguns estagiários para procurarem a ficha, que, para alívio geral, foi encontrada, permitindo ao advogado uma saída arrogantemente doutoral...

A fila única, o tempo perdido (seria ganho?; afinal, sempre se vê gente, se pensa em gente, se recordam experiências) me levou a esse personagem laborioso, mais do que seus pares, que, pela desídia ou até pela inépcia, jamais seriam um Papa-Filas.

Também me lembrei de que, em outros atendimentos no banco, o Papa-Filas estava mais comedido, mais devagar. Comentei minha observação com o bom amigo, leitor da vida e colecionador de casos. Ele me contou o episódio do cheque e mais alguns, nos quais o Papa fora vítima de seu açodamento. Mas arrematou:

– Agora o Papa só vale por dois.