Confissões de um Desadolescente

O que é isto? Desadolescer? O corretor ortográfico insiste que há algo errado. Não há, é isto mesmo. Desadolescer é viver o processo inverso ao da adolescência. É não mais idealizar é perder progressivamente qualquer expectativa de encontrar um sentido ou espiritualidade que explique ou redima o mundo.

Max Stirner foi um daqueles neohegelianos injustamente esquecidos. Ele é mais conhecido pela crítica de Marx e Engels em A Sagrada Família. Marx e Engels tinham a trajetória intelectual marcada por primeiro assimilarem o que podiam do pensamento de algum filósofo ou economista e depois os renegarem na base do cinismo, deboche e insolência. Eram oportunistas que souberam muito bem potencializar o que havia de melhor em sua época.

Stirner em sua obra e "O Eu e sua Propriedade" trata destas diferenças entre infância, adolescência e o mundo adulto. A criança domina sua família, um universo que se debruça sobre elas, se ajustando as suas vontades e necessidades. Os pais fazem isto como um dever vital, como se fosse parte de sua natureza.

A criança não possui preocupações espirituais, o universo não esconde nenhum segredo, ele se debruça sobre elas e lê seus pensamentos, entende seus medos e necessidades. Resta a criança brincar e aproveitar este mundo sem preocupações com sentido, com uma alma por trás das coisas, etc.

O adolescente é a criança impactada com o mundo além da família. Ele se assusta ao perceber que o mundo é imperfeito e injusto. Acredita até mesmo que ele é irracional. Comparado ao mundo construído em seu lar, a sua simplicidade e previsibilidade, o mundo exterior parece o caos, um lugar sem sentido, sem vida, sem nexo.

Um mundo indiferente ao que ele acha correto, necessário e lógico. Um mundo que não lhe advinha a vontade ou se debruça sobre suas necessidades. Um mundo que continuaria a existir ainda que ele padecesse de todas as dores e medos. O mundo é indiferente a isto ou quando se importa é pra fins egoístas. Não há a empatia que transbordava em seu lar.

Um passo adiante é sempre um risco a enfrentar o monstro. Um passo atrás é humilhante, pois os pais querem os filhos enfrentando o mundo, já não cede aos seus caprichos e manhas. Enfim não há um lugar para voltar ou para onde se refugiar definitivamente.

Então este adolescente busca uma espiritualidade neste mundo. Busca nele o sentido e ordenamento que encontrava em seu antigo lar. Descobri que o mundo pode ser feito conforme atenda seus desejos, expectativas e aquilo que ele acha justo. É claro que não demorará a perceber que o mundo não fará isto. O mundo continuará sua marcha inexorável, independente de como o achamos cruel ou injusto.

O que ele fará? Se refugiará nos pequenos guetos onde algo próximo a este mundo ideal poderá ser vivido, ainda que precariamente. Tentará mudar o mundo, buscará ideias revolucionárias. Lutará para que o mundo aceite ser melhor e se envergonhe diante de suas injustiças.

Esta fase da adolescência costuma a se estender em alguns adultos, e mesmo idosos. Não é algo incomum, que muitos homens vivam e morram acreditando que o mundo precisa ser o lugar idealizado por ele.

Enfim o adulto. O adulto é o ser aprendeu com segurança a se ajustar ao mundo tal como ele é. Ele diz mais como deve ser ou luta pelo que deveria ser. Ele analisa como é, aprende como as coisas são, aceita seu papel e procura exercê-lo da melhor forma possível.

O adulto se torna egoísta, no bom sentido, como defendia o Stirner. Ele se volta para si mesmo, procura se prover, atender suas necessidade de segurança, conforto, auto estima se adaptando ao mundo. Ele o ouve, aprende seus processos e se dispõe a fazer parte e contribuir para o mesmo.

Ele domina sua profissão, ele se dispõe a rever seus procedimentos e raramente procura impor ao que faz o que ele acha que deveria ser. Ele aplica a lógica e a experiência para atender o que se espera dele.

Este homem adulto tem consciência de que o que ele faz para o mundo ele faz para si. Suas expectativas e desejos não são para mudar o mundo, mas para atender suas demandas diversas e assegurar seu lugar neste mundo. Assim se faz o adulto.

>>>> >O Mito da Pós Graduação < <<<<<

Meu último bastião do idealismo foi a pós graduação. Já não tinha idealismo quanto a escola sabia que ela tem seu tempo e condições próprias. Quanto mais tentava impor o que eu achava o ideal, mais o sistema reagia me mostrando o real e o que eu deveria fazer. Aprendi.

Mas depositei na pós certa esperança. Achava que os melhores e mais inteligentes teriam um lugar no doutorado, principalmente quando por notas, trabalhos, artigos e participação nas aulas o evidenciava. Era uma idealização, ver a pós como um lugar onde pessoas inovadoras, criativas e empenhadas desenvolvessem ciência e tecnologia. A coisa não é bem por aí.

Me deparei neste meu último choque com o mundo outra realidade. Ex alunos de professores da banca de seleção do doutorado, textos da bibliografia previamente trabalhados em sala. Professores querendo pescar iniciados e discípulos para suas pesquisas particulares. Alunos publicando trabalhos e sendo obrigados a colocar o nome de orientadores. Alunos pouco competentes em teoria sendo classificados. Notas mínimas com valor 70 se repetindo entre os favoritos.

Era o mundo que eu não tinha visto antes. Era o mundo que explicava por que os orientadores fariam parte de programa de pos sem receber nada por isto. Era a chance deles de terem bolsistas já familiarizados com seu tipo de pesquisa, para levantar para eles dados, leituras e pesquisas específicas para seu projeto de pesquisa.

A coisa nunca teve a ver com reconhecer um talento e dar a ele a chance de desenvolver seu projeto. Um orientado desenvolverá o projeto do seu orientador. Vi muitos casos de orientandos abandonados por orientadores, que tiveram poucas conversas durante o processo, justamente por que acreditaram que o projeto deveria ser deles e não do orientador.

Este era o mundo que minha adolescência tardia não me permitia ver. Sem idealismo ou paixões, o processo seletivo de uma pós serve para professores universitário selecionarem aqueles mais familiarizados e úteis àquilo que pesquisam. Conheci uma colega que não poderia publicar artigos sem colocar o nome do orientador, simplesmente por usar o banco de dados que ele reuniu e nada mais.

O orientando dos sonhos é aquele que vem pronto, sem que se precise ensinar nada. De preferência que não se disponha a trabalhar dentro dos objetivos do orientador sem inventar muita moda. Quando você um título de dissertação e tese e se perguntar "pra que pesquisar um negócio destes", não se envergonhe. Isto acontece por que esta pesquisa é uma das várias que só fazem sentido se conhecido o projeto maior do qual ela faz parte.

Terminei o mestrado com um projeto original tocado basicamente por mim e auto explicativo - não faz parte dos objetivos e projeto de outra pessoa. Porém sem doutorado.

>>> > Desadolescendo na Escola < <<<<

Aprendi na licenciatura o credo da inclusão, da igualdade e da democracia. Aprendi que o aluno era um oprimido e que deveríamos com a educação preparar o aluno para um mundo melhor. Também acreditava e fui levado a acreditar que a distância e a hierarquia entre professor e aluno eram empecilhos para uma formação cidadã e crítica dos alunos.

A realidade na sala de aula foi outra. Os alunos quando percebem que a hierarquia foi colocada abaixo e que o professor esta disposto a negociar e relevar o que eles fazem não agem com generosidade a oportunidade oferecida.

Não. Eles não vão aproveitar a proximidade para aprender mais ou farão as tarefas e cooperarão quando preciso sem que haja possibilidade de imposição pela autoridade. Um professor que constroi sua autoridade não é respeitado pelos alunos. Esta construção implica em provar para o aluno que você sabe e é mais inteligente que ele.

O professor que não se dispõe a este teste de fogo simplesmente não dá aula mais. São os próprios alunos que querem isto. Uma exigência para que tenham algum respeito pelo professor diante deles.

Então toda esta balela de democracia, de aluno como centro da aprendizagem, aluno como vítima da hierarquia não se sustenta na realidade. Professor que não mostrar constantemente sua capacidade acima dos alunos não é respeitado pelos mesmos.

O aluno aprende o que ele quiser e o que ele não quiser será um incomodo para ele. Como o professor não pode se limitar ao que o aluno quer, este colocará alguns empecilhos a sua atividade. A forma dele perguntar para que serve o que vai ensinar é desdenhando da aula e da importância do que esta sendo ensinado.

Quando o mesmo não consegue entender, é raro que ele se culpe por isto, que se ache menos capaz. É mais provável que ele culpe o professor e tente encontrar desculpas diversas para não ter que se dedicar ou se preocupar com aquela matéria.

Há muitos casos de professores agredidos por insistirem em ensinar quando esta insistência significa para o aluno ter que encarar sua incompetência.

Pode se idealizar muita coisa sobre a educação, principalmente quando o idealizador não tem o ensino como sua profissão e sim como objeto de estudo. Pode se falar muitas coisas bonitas e inspiradas, mas a realidade em sala de aula é outra.

>>>> > Desadolescer na Política < <<<<<

Este processo vivi desde a denúncia do mensalão, mas se acelerou quando era inegável todo o esquema de corrupção que sustentou o Partido dos Trabalhadores no poder.

Já havia conhecido o que se transformou o sonho socialista na União Soviética e em Cuba. O livro 1984 de George Orwell não me deixou dúvidas do que acontece quando a liberdade é sacrificada à igualdade e também que trabalhadores e partido não eram a mesma coisa.

Já tinha visto nos DCE e sindicatos a politicagem, as greves que repente se encerram, os colegas mais ativos na política do que em sala de aula. Da mesma forma, como as pessoas mudam de cara quando chegam ao poder.

>>>> > Conclusão < <<<<

Creio ainda me desadolescer mais. Não tenho mais pretensões a um doutorado. Não acredito que deixarei uma grande contribuição nesta minha passagem pelo mundo.

Porém, faço coisas pelo retorno pessoal imediato. São coisas que me agradam agora e que se tiver alguma relevância me deixarão feliz.

Me ocupo com gente, algumas. Não acredito que toda a humanidade seja salva. Não idealizo as pessoas, simplesmente vejo como elas são com seus defeitos, virtudes e sombras.

Priorizo o que faço espontaneamente, como este texto, poesias e outras coisas que tenho me dedicado.

Aprendi com Max Stirner o bom egoísmo e desaprendi a adolescência intelectual do marxismo. Por que estender o idealismo a idade adulta é obra de imaturidade ou de má fé. Qualquer adulto maduro sabe disto, sabe como o mundo é, sabe como os homens são.

Querem mudar o homem e a sociedade em que ele vive, mesmo que contra este homem, mesmo que o enganando e provavelmente contra sua vontade.

A adolescência com amplos poderes é exatamente o que significa qualquer tirania. O tirano nunca aparece como o egoísta. Ele quer o bem de todos, controla tudo, tem um sentido (ideologia) para tudo e só pede obediência e fé (um grande pai) - e a sociedade uma grande família. O mundo se torna uma imensa e triste família em que os indivíduos se encontram tolhidos de crescer, serem livres e desenvolver seus potenciais.

O mundo são caras como Marx e Engels assimilando em suas obras o que podiam dos outros e depois os renegando- como se nada lhes devessem. Um cara genial como Max Stirner, porém sem paciência com conchavos e militância, sendo esquecido. Outros que sairão desta vida ainda mais silenciosos do que quando entraram.E anônimos como fazendo esta justiça tardia e inútil, porém egoista no sentido stirneriano.

Wendel Alves Damasceno
Enviado por Wendel Alves Damasceno em 27/11/2017
Reeditado em 27/11/2017
Código do texto: T6183153
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