Cecília (I)

Cecília era uma daquelas criaturinhas que, por alguma razão da vida, não fazia nada direito, a não ser se isolar e se perder em seus pensamentos. Nisso era boa. Cheia de boas intenções, mas de brutalidade até o teto, toda vez que tentava uma conversa acabava brigando.

Quando criança, não conversava, não dava bom dia nem qualquer outra saudação, não interagia, não tinha amigos (apenas amigos de sua família), não se misturava e não influenciava ninguém, mas também ninguém a influenciava (não mudava nada nela para copiar quem quer que fosse).

Crescera da mesma forma. Era uma garota forte, mas não sabia se encaixar na sociedade. Também não tinha aptidões. Na adolescência, tentara aprender a cozinhar. Digamos apenas que a experiência não foi da melhores. Os demais serviços da casa, ao menos, fazia a contento, isso quando não quebrava uma louça ou uma porta de armário (tinha a mão pesada).

Na escola, nunca fora boa de fato. Era apenas esforçada. Era mais velha que sua irmã, na mesma série que ela porque se mudara e ficara um ano sem estudar. Aprendera a ler depois dela, após um tremendo esforço imprimido sem nenhuma cobrança ou orientação, por sentir a pressão de ter ficado para trás. Uma coisa era fato: apesar de não ser boa em nada, tinha o dom de perceber isso, desde menina, e estabelecer caminhos para chegar o mais próximo possível do desejável. Quando estudava para uma prova, desde os 10 anos, sabia identificar quantas vezes, a mais que os outros, precisava estudar um texto para ficar com nota na média. Então, se os demais leriam umas três vezes, ela lia umas cinco, no mínimo. Dessa forma, não perdera nenhum ano.

Após findar o ensino médio, período em que fora muito feliz por se descobrir ótima em literatura, namorar um, bocado e obter notas satisfatórias nas outras matérias, apesar do seu velho calcanhar de Aquiles (a gramática), enfim, após findar esta etapa, curiosamente, foi ela, pobre de capacidades, que insistiu com a irmã para cursarem vestibular. Ambas tentaram três vezes até conseguirem. Para seu espanto, fora aprovada em posição melhor que a de sua irmã. Não ficara entre os 10 primeiros, amas estava entre os 20.

Estudara, com grande destaque desta vez. Curioso! Não estava acostumada a receber elogios. Então quando acontecia, na universidade, (com bastante frequência) apenas murmurava um obrigada, sem sorver o sabor da vitória. Falando nisso, não se permitiu felicidade ou qualquer outro sentimento, nem quando recebera a notícia de aprovação do vestibular. Sua família ficara acordada até de madrugada, a esperando retornar do emprego, para dar-lhe a notícia: nada, nenhuma reação. Só não apanhara porque numa única coisa era boa, em brigas.

Naquele tempo, Cecília ainda não sabia sentir. Trancada em si, depois de tanta pancada, sem ter experimentado, ou percebido, antes uma vitória, ela não tinha capacidade nem para se alegrar com a vitória. O problema nunca fora ser feliz. Isso ela sabia ser, mesmo que tivesse que se trancar dentro de si, se perdendo em devaneios. Mas prazeres da vida fora de si mesma ela não conhecia, e não sabia aproveitá-los em suas raras conquistas.

Mas a universidade fizera bem a Cecília.

Marta Almeida: 27/11/2017