Feijãozinho com Torresmo

Era um cara ainda relativamente moço, n faixa dos 40. Até então havia sido um militante sério, sectário, idealista. Um exemplo de combatente ideológico. Em ecorrência dessa militância havia se descuidado da vida sentimental, relegando o amor a segundo plano. Sua diversão era empanturrar-se de literatura engajada.

Sofreu perseguições mas nunca fraquejou. A chama dos ideais e a certeza da pureza dos líderes maiores compensavam as agruras. Participara de todas as lutas sociais e políticas: greves, luta pela anistia, Diretas Já!, campanhas do Lula etc.

Mas aí (na voda ahá sempre um aí) aconteceu Vanda, uma morena bonita, risonha, snsual e... completamente por fora da ideologia e dos dogrmas esquerdistas. Politicamente correto para ela só o pagode e as festas. Mais: desconhecia todo o hit parade da esquerda e, pasmem, preferia Zeca Pagodinho e Jorge Aragão a Chico Buarque. Gingava frenética qundo ouvia um pagode, mas se amarravava também nos sambinhas estilo "fundo de quintal". E pecado dos pecados: desconhecia quem fora Che Guevara. Mas era cor de jambo e belíssima. Além disso não era mais uma meninha, era trintona mas com tudo em cima e ainda batendo um bolão arretado. Rsultado: o militante apaixonou-se pela morena e, pela primeira vez ana vida, dixou a causa em segundo plano.

Ele nunca pesou que namorar a morena fposse algo tão estafante. O pique dela era tremendo, não pedia uma festa, uma farra nos barizinhos e nem uma só balada. O militante teve que se adaptar aesse sistema e, claro, pagar alguns inevitáveis micos. Um deles foi requebrar com a morena ao som de um pagode e sob o olhar de censura dos companheiros xiitas. Dooeu tambem abrir mão das horas de leitura dos clássicos marxistas e da audição de música clássica. Mas Vanda valia a pena, enloquecia-o de apetite. Estava vivendo. E dizia de si para consigo mesmo: "Ah, quanto tempo eu ´perdi!".

Foi chamado às falas pelos líderes do comitê municipal. O líder maior, um xiita que era vesso às mulheres, acusou-o de prevaricação com os ideais, de trocar a causa socialista por uma mulata assanhada. Mas isso entrou por um dos seus ouvidos e saiu pelo outro. Nem por um segundo pensou em renunciar à morena. Mas aí (olha o aí novamente) surgiu o primeiro problema no relacionamento dele com Vanda.

É que a morena não aceitava ser posse de ninguém. Para usar uma expressãoa partidária: não obedecia nenhuma linha. Era livre, o que aumentava o seu fascínio mas fazia o militante sofrer ciúmes.

Para seu azar pintou no pedaço, frequentado pela morena, um moreno chegado ningupem sabe de onde. O cara tinha sos mesmos goostos de Vanda, falava a sua linguagem e dançava muito bem. Resultado: o militante tambem dançou, mas sem música. Foi preterido na mesa e na cama, transformado em modesto figurante da turma da morena. Começou a curtir uma roedeira e tomar altos porres. às vezes, sozinho em casa, enquanto tomava a água que passarinho não bebe, ouvia o hit roedeira de Lupicínio Rodrigues (Vingança, Volta, Cadeira Vazia, Nervos de Aço etc)e um sambinha de Mirabeau que dizia num dos versos: "Já nãoa é amor/ Já não é paixão/ O que eu sinto por vocêé obsessão".

Para atentar esquecer Vanda voltou ao ninho ideológico. Teve que cortar alguns dobrados:aguentar constrangimentos, fazer autocrítica e ouvir reprimendas. Mas nada muito rigoroso poque as esquerdas yambém estavam cortando um grande dobrado haja vista que passando de pedra à vidraça tinham que se adaptar à situação e, claro, cuspir no prato que comeram e comer no que cuspiram. O nosso militante estranhou um pouco, chegou até em pensar que estava frequentando reuniões da direita. Mas anão sofreu tnto quanto os companheiros porque só pensava mesmo em Vanda e priu. Os companheiros discutiam, por exemplo, a reforma da previdência e ele só recordava as farras e as noitadas que vivera com a orena. Quando alguém o via suspirar, pensava que era por causa dos roblemas partidários. Porém quando numa das reuniões, um ideológico matuto falou que o feijão do fome zero precisava chegar na mesa dos excluídos, ele tomou um susto e, lembrando-se da morena, disparou: "O feijãozinho com torresmo de Vanda?!". Levou uma tremenda bronca.

No auge das discussões internas (externa só é pemitido as antenas) ele soube que Vanda havia rompido com o moreno. Ficou satisfeito e quis procurá-la, mas um rsqupicio de orgulho fê-lo ficar na moita que nem caçador de espera. Continuou patiticipando do besteirol ´partidário. Aúltima palhaçada fora a roposta de um xita chaleira no sentido que fosse enviado u voto de palauso aos líderes nacionais pela decisão de expulsar das hostes esquerdistas uma brava senadora e alguns deputados coraosos que não estavam querendo jogar a sua história na lata do lixo.

No dia da votação da proposta indigna, o nosso militante estava bastante aflito. Ele anão queria apoiar a moção. Mas naão era isso que o afligia de verdade e sim o silêncio da morena. No exato momento em que foi chamado para declarar o seu voto, eis que uma moreninha que ra vizinha de Vanda, adentrou no recinto e lhe cochichou algo no ouvido que o fez vibrar de alegria. A moreninha lhe disse que Vanda mandara chamá-lo para comer um feijãozinho com torrresmo que havia peparado especialmente para ele, e que providenciara também algumas ourinhas geladas e uma batidinha de limão. O ideológico avesso às mulheres e autor da proposta indigana, irritado com a interrupção, exigiu que o militante declarasse imediatamente o seu voto. Ele n~çao teve dúvidas e disse rindo: "Agora não posso, tenho algo mais importante par fazer, vou comer um feijçaozinho com torresmo divino na casa de Vanda. Fiquem à vontade para cometer essa ndignidade. E, como diz a moçada, fui!" Saiu quase correndo deixando a companheirada aturdida.

Chegu na casa de Vandacom o coração aos pulos. Na porta quando sentiuo cheiro do feijaozinho com torresmo sua boca encheu-se d'água. Encontrou a morena mexendo a panela. Abraçou-ae sentiu como era verdadeiro o conselho do camarada Vniciussobre o amor: "que nçao seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure". Na radiola tocava um sambinha tipo fundo de quintal (na voz de maria Creusa) que no seu refrão dizia: "Eu quero nos tus braçosser eu mesmo/ comer meu feijãozinho com torrresmo/ beber, enar dormir, talvez morrer".

PS: Esta maltraçada está debutando, 15 anos, publiquei no jornal de Pesqueira. Inté.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 01/12/2017
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