Roubei uma tampinha de caneta

Em qualquer heresia barata, o mesmo grupo dos 10 mandamentos diz “Não julgueis”, tal como “Não roubarás”. Então suplico que não faças juízo de valor sobre meus atos, querido leitor.

O fato é que venho utilizando as mesmas duas canetas pretas há pelo menos um mês, ou quase isso. Uma delas comprei, sim obtive-a um dia desses, por meio do intenso suor de meus pais que até o dia de hoje sustentam minha singela existência neste globo terrestre. (Meus perdões aos terra planistas, por favor ignorem essa falácia.) A outra caneta não me lembro ao certo, mas o fato é que ela já está mais velha e usada e mutilada.

Sim, foi uma hipérbole infeliz, contudo é verdade. De tão idosa a caneta se perdeu da sua respectiva tampa, um evento trágico. Na verdade fui eu mesma, eu que estou falando com você, que a perdi... Porém todos nós, tirando a tampa a qual não mandou notícias, seguíamos muito bem e trabalhando sim senhor! Até que... Fui realizar mais um exame, outra prova de múltipla escolha e obviamente levei comigo as minhas companheiras.

Tudo ocorreu normalmente, como era de se esperar dentro daquilo que já era esperado. Quando uma mulher, louca certamente, colocou sobre minha mesa uma tampa de caneta. Sim meu caro, uma tampa preta, absolutamente compatível com a minha. Naquele ambiente onde a ditadura do silêncio impera não era possível fazer nada, nem ao menos emitir uma interjeição sequer. O dono da caneta, que dispunha daquela tampa, se não tivesse ido embora estava completamente longe do meu alcance e de qualquer possibilidade em estabelecer contato.

Logo, nesse contexto claustrofóbico de impossibilidades e incrivelmente obtendo a posse de uma caneta mutilada, decidi receber o que só poderia ser um presente a uma caneta que viveu dias intermináveis de sofrimento, na eminencia da sequidão e da provável perda de suas funções vitais. Sendo assim, posso dizer que em vez de “roubar”, ganhei uma tampa de caneta.