Lagoa feliz
 
Estávamos na estação das chuvas e o tempo fechou de repente. O que se via era as pessoas correndo para todos os lados, com medo daquela precipitação, que já se avizinhava no lado norte da cidade. Este tipo de chuva, segundo o serviço do tempo, costuma vir forte demais e parar rapidamente. O fato é que todos foram se acomodando debaixo das marquises e dos toldos das lojas. Sem outra opção até que a chuva parasse, as pessoas iam tecendo seus comentários. Ouvia-se de tudo. Uma senhora contou que a sua horta estava cada vez mais bonita e que nem se comparava com aquela que regava todos os dias durante o ano. Outra disse que o seu cão estava sem tosa e sem banho, mas que aparecia alvo e bonito como se tivesse sido lavado com o melhor xampu. Um terceiro comentou que o asfalto de sua rua estava muito sujo, devido a restos de obra de um vizinho e que a chuva estava fazendo uma verdadeira limpeza no local. O mais inusitado foi um esperto catador de recicláveis que, sorridente, comentou sobre a possibilidade de ganhar mais dinheiro com os papelões que juntava. Com a umidade do ar bastante elevada, era certo que os papelões, absorvendo mais água, ficariam mais pesados. Os comentários não tinham fim e versavam, principalmente, sobre a importância das chuvas para a vegetação.
Quando todos pensavam que aquelas águas iriam perder força, veio uma nova chuvarada. Neste momento, do nada, pus-me a refletir sobre outro privilegiado com aquela dádiva de Deus que ninguém havia se lembrado de comentar. É que estávamos de frente a uma das nossas mais belas lagoas e o que eu via era um bailado de águas sem fim, formando uma espécie de espelho animado. A lagoa estava imensamente feliz com a abençoada água da chuva que lhe caía sobre o leito. Era a oportunidade de purificar suas águas, lavar-se totalmente para oferecer o melhor aos peixes, aos pássaros, às plantas, enfim, às pessoas que a vissem ali, viçosa e completamente cheia, longe do drama da estiagem. Quanto mais intensos os pingos, mais a lagoa vibrava de satisfação. A intensa ventania que nos causa tanto medo, para ela era uma música contagiante, a lhe ditar o ritmo de suas águas. 
Como previsto, a chuva foi diminuindo e tudo voltando ao normal. Lentamente as pessoas foram se retirando e tomando o seu rumo. Resolvi conferir de perto as maravilhas que eu mesmo tentara descrever. O sol já começava a reaparecer quando me aproximei da margem da lagoa. Vi que ela, agora, brilhava como nunca. Parecia discernir com sabedoria a importância de cada fenômeno da natureza para a sua existência. Depois de uma violenta e revigorante chuva, nada melhor do que um belo sol para despertar-lhe a vida e realçar o seu brilho de satisfação. Pena que nós, seres humanos, ainda não alcançamos este nível de sabedoria.
Luciano Abreu
Enviado por Luciano Abreu em 05/12/2017
Reeditado em 05/12/2017
Código do texto: T6190640
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