MEU PRIMEIRO CARRAPATO

Nove anos era a minha idade, quando fomos morar próximo da cadela Baleia. Logo em seguidas fizemos amizade, não só com ela, mas com o Silvio, o Rogério e a Verinha. Silvio, talvez tivesse uns 12 anos, Verinha uns seis e Rogério, não mais que quatro. Rogério era chamado de Daibo, pela irmã, mas nunca perto dele. Não tardou muito tempo para que víssemos o porquê da alcunha. Rogério era o filho predileto de Bolão, um policial militar, de porte adiposo avantajado, que vivia em dispensa médica, as quais aproveitava para confeccionar bolas.

Um dia Baleia aproximou-se e sacudindo o rabo, pedia-me um pedaço de bolacha, enquanto salivava deixando que ela escorresse como baba pelos cantos da boca. As bolachas eram enormes, quase das dimensões de uma carteira de cigarro Elmo. Aliás, as bolachas também eram a preferência de Rogério e Verinha. Silvio, que não era filho de Bolão, não tinha a prerrogativa de fazer amizades e raramente podíamos lhe alcançar uma bolacha, pois Rogério se encarregava de tomá-la e contar ao policial mutreta, que invariavelmente dava-lhe uma surra de ripa, retirada da cerca. Isto irritava-me e eu dizia baixinho, que um dia iria pegá-lo e descontar o tratamento que ele dava ao Silvio.

Os anos passaram e nunca mais nos vimos. Deles guardamos a lembrança e que desejavam voltar para Rolante, cidade de onde tinham vindo.

Repartir bolachas, não era porque tivéssemos uma padaria, mas porque as ganhávamos de um familiar que tinha uma fábrica delas. As doações era a forma que ele encontrara, para nos ajudar, durante momentos difíceis que passávamos, pela baixa remuneração de papai.

A bolacha fazia sucesso, entre nós e o único cão da rua, que não ficava presso na corrente, justamente a cadela Baleia, que de baleia não tinha, nada, nem o porte, nem a cor, um amarelo puxa-puxa.

Para cada mordida que eu dava, um pedaço ia parar na boca de Baleia. Entre um pedaço e outro, pude observar que havia um objeto, lustroso e quase da cor de seu pelo, preso logo abaixo de seu pescoço, então chamei mamãe, que disse que era um carrapato e dos gorduchos. Coitada da Baleia, tão desmilinguida e sendo sugada. A receita foi por um graveto no fogão e quando ele estava com a ponta em brasa, tocamos nas costar do sugador, com todo cuidado para não machucar Baleia. Tão logo ele a largou, foi atirado na fornalha do fogão a lenha.

Passados alguns anos, ao ler o Vidas Secas de Graciliano Ramos, reencontrei a cadela Baleia, talvez homenageada pela parceira de convescote com bolachas.

Do livro: Abrindo gavetas da Memoria - 2017 - 2018

Terceira Crônica

ItamarCastro
Enviado por ItamarCastro em 07/12/2017
Reeditado em 07/12/2017
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