O SURFISTA FRUSTRADO

O SURFISTA FRUSTRADO

Assim como ser rico não é só gastar muito dinheiro comprando carros maravilhosos, roupas de marcas, viajar pelo mundo, etc., surfar não é só dar umas remadas, levantar-se e usufruir de uma onda, deixando-se levar e executar manobras mirabolantes. É muito mais do que isso. É necessário muito preparo físico, muito esforço e resistência, muita habilidade e muita, mas muita, coragem. Um sentimento que beira a irresponsabilidade, e uma autoconfiança enorme. O surfista quando entra no mar em dia de ressaca, sabe que vai encontrar uma pedreira. A onda te empurra, o cara fica em pé e a prancha pula para lá e para cá como se fosse um cavalo bravo. O cara tem que olhar a onda, a prancha, o mar, resolver em instante que manobra fazer, até onde prosseguir, e, na medida do possível, sair da onda ou levar um tombo o menos vergonhoso e sem consequências possíveis. Surfar é um esporte, é uma arte, é equilíbrio, é fascinação de enfrentar uma das maiores forças da natureza. Requer preparo mental, físico, espiritual, foco total no momento, poder de decisão imediato. E amor ao surf.

Lá por 1965, eu havia dado baixa do Exército e fiquei na vagabundagem uns meses. Já contaminado por esse esporte maravilhoso, eu dormia, sonhava, comia e bebia surf. Hoje, que há muitos praticantes, uma imensidão de revistas especializadas, um universo de acessórios e roupas, campeonatos, e uma globalização do surf o interesse por notícias sobre surf é grande, nem se consegue imaginar que busca incessante os poucos praticantes daquele surf primitivo empreendiam para saber alguma coisa sobre a novidade chamada surf. Eu estudava à noite e tinha o dia inteiro livre para surfar. Nossa segunda prancha modelo “caixa de fósforos”, como chamávamos a prancha oca estruturada em madeira e revestida de compensado marítimo com mais ou menos 10 cm de espessura, tinha 2,80m e pesava 30 KG. Eu saia cedo de casa, na esquina de Av. Capitão Mór Aguiar com a Marques de São Vicente, caminhava três quilômetros, apanhava a prancha na garagem do prédio do Antônio Di Renzo, carregava até a praia de Itararé e surfava. Permanecia na água por umas quatro horas, guardava a prancha, e, lá pelas duas da tarde, chegava em casa muito cansado.

Era dia de uma ressaca muito forte e, ao chegar em casa, estavam me esperando meu amigo Bebel e dois caras de São Paulo. Queria conhecer o que era surf, ver a prancha, saber como se praticava, etc. Eu, morto de cansado, não iria de jeito nenhum voltar ao mar. Mas, após muita conversa, aceitei mostrar ao Bebel o que era surf. Eles me trariam de volta a minha casa. Voltei ao mar, coloquei a prancha na água próximo à Ilha Porchat com Bebel na minha frente deitado com a recomendação de não se movimentar e remei mar adentro. Junto a Ilha Porchat, ocorre um remanso que, com relativa facilidade, o surfista alcança boa distância da praia. Ai, o camarada se afasta da Ilha e logo está na arrebentação onde espera a melhor onda. Até então Bebel era só alegria. Contente, se sentindo em segurança. Até aparecer a primeira série de ondas maiores, dois ou 3 metros, no máximo, de altura. Na hora acabou a alegria do meu amigo. Foi tomado por um pânico, começou a berrar “-Me tira daqui! Me tira daqui! Socorro!” e assim por diante. Dei uns três ou quatro tapas na bunda dele, falei para se acalmar e segurar na prancha que eu o levaria à praia com segurança. O cara chegou à areia quase chorando.

Guardei a prancha, eles me levaram para minha casa. Nunca mais vi Bebel.

Paulo Miorim

12/12/2017.

Paulo Miorim
Enviado por Paulo Miorim em 13/12/2017
Reeditado em 29/07/2020
Código do texto: T6197579
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