Amai para entendê-las

3:50h da madrugada desta segunda-feira. Acordei antes de despertar o relógio, levantei, vesti um casaco, calcei as sandálias e encontrei Alice já acordada, arrumando-se para viajar no ônibus que passava logo mais.

Eu estava desde ontem pensando:

-que bacana, vou esperá-la pegar o ônibus e aproveito para assistir mais um espetáculo, dentre muitos, inumeráveis e desconhecidos, que o universo faz ao botar as estrelas e astros para dançar. Hoje dá para ver Vênus e Júpiter quase coladinhos, alinhados, brilhando juntos no firmamento quase como um só objeto.

E fiquei assim, a rua totalmente deserta, salvo pela presença de um cachorro preto que passou correndo. Não prendi-me a ele, fiquei olhando para cima, tentando bloquear a luz dos postes com a mão.

A eletricidade nos ajudou tanto a vermos as coisas de perto, as pequeninas, mas nos privou de ver as distantes, tão maiores do que nós.

Conseguindo bloquear um pouco a claridade, vi o céu. Incrível! Algumas luzes tão fortes, outras mais fracas... estrelas, sóis a brilhar a milhões de anos luzes, talvez ainda queimando lá, talvez já mortos. Muitos, incontáveis, distantes... a escuridão... o vazio.

-Já pensou? Cada pontinho daquele distante uma potencial galáxia! Elas são mesmo como pálios abertos? o que há para além de mim?

O vento batia leve em minha pele enquanto eu tentava abraçar-me, procurando o fenômeno celestial. Logo peguei-me recitando não mais um verso, mais todo o poema de Olavo Bilac, contemplando cada imagem:

Ora (direis) ouvir estrelas! Certo,

Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,

Que, para ouvi-las, muitas vezes desperto

E abro as janelas, pálido de espanto...

-Verdade, poeta. Pensei. É espantoso, assombrosa a visão das estrelas. Uma delas pareceu-me queimar, muitas sugeriram barulhos... Dá mesmo para ouvi-las quanto mais eu arregalar os olhos, quanto mais tentar alcançá-las na forma limitada da minha humanidade.

Comecei a apontar para o céu, falando com ele, girando como uma parabólica. Alice chegou para esperar o ônibus bem no momento que eu dizia compassadamente: - lua, vênus, Júpiter... com aquela voz de quem acaba de acordar, olhos arregalados, absurdada.

Senti uma pressão no braço. -mãe, mãe, pelo amor de Deus! O que é isso?

Perdi a conexão. Desci os braços e olhei para ela que estava assustada.

-Ai, menina. Credo! Que foi? Caramba, machucou meu braço!

-credo, mãe! Que voz era aquela? Mãe a senhora falando o nome dos planetas... parecia que a senhora estava sendo possuída, que sinistro. Mãe? Pelo amor de Deus!

E ficou a pequena com a mão no peito, olhando para mim como quem esperando ainda que algo sobrenatural pudesse me acontecer.

Já acalmada e depois de alguns risos e abraços, acompanhou-me olhando para o alto, tentando descobrir comigo a posição dos planetas que eu procurava.

Agora, dentro de casa depois de abraçá-la e vê-la pegando sua condução, fico pensando aqui com um nó na garganta: Sobrenatural mesmo é termos perdido nossa capacidade de nos compreendermos parte do cosmos, de acharmos que o universo é umbigocêntrico. Sobrenatural era aquele poste de cimento me impedindo de enxergar, o que é diferente de ver, e automaticamente de pensar.

Entendi o poeta. Eu ali ouvindo estrelas, como em outras vezes, parecendo ao outro os versos do poema: “-Ora, perdeste o senso?” "Tresloucada amiga!

Que conversas com elas? Que sentido

Tem o que dizem, quando estão contigo? "

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!"

Quem não ama, jamais entenderá. Nem a elas, nem o espanto que causam, nem a mim, tampouco a Bilac que as ouve.

O que elas a mim me disseram? -Entra! Estás sozinha. Tem ladrões a espreita. Não temi os buracos negros, mas tive medo do homem.

Entrei e agora aqui, deitada no quarto mais perto do quintal, já ouvi meu galo cantar três vezes. Os pássaros começaram sua sinfonia e logo logo a lua cintilará do outro lado. Daquelas estrelinhas que tive tanta curiosidade de ver, uma delas, companheira e saudosa, voltará e nos iluminará, trará calor e vida e teremos mais um dia “comum”.