"A VIDA NAO SE RESUME A FESTIVAIS"

A frase título desse texto foi proferida por Geraldo Vandré quando na fase final do III Festival Internacional da Canção, promovido pela TV Globo, apresentava a canção, de sua autoria, “Pra Não Dizer que Não Falei em Flores”, classificada em segundo lugar. O discurso do compositor paraibano se deu em razão da manifestação, por vaia, da insatisfação do público, calculado em torno de vinte mil pessoas, com o resultado anunciado. Sua música era a preferida, mas por recomendação do comando do I Exército não poderia ser classificada como a vencedora.

Assisti pela TV, com o espírito de paraibanidade cheio de orgulho, aquele espetáculo que se tornou um acontecimento histórico. Vandré quase não conseguia iniciar o canto de sua música porque a multidão insistia em protestar contra o resultado que apontava em primeiro lugar outra belíssima canção, “Sabiá”, de autoria de Chico Buarque e Tom Jobim. A letra de “Pra Não Dizer que Não Falei em Flores”, caia no gosto dos que tinham na garganta o grito de revolta contra o regime ditatorial que o Brasil vivia. Tornou-se, então, um hino de qualquer manifestação pública de protesto ou reivindicação que aconteça neste país.

Apesar dessa proclamação de Vandré: “a vida não podia se resumir a festivais,” era através desses certames que o povo encontrava a oportunidade de extravasar seus sentimentos de indignação e repúdio ao sistema vigente. O pronunciamento, embora intencionalmente voltado para evitar desaprovação à música da dupla, Chico e Tom, não conseguiu fazer com que a multidão se acalmasse. Na verdade a sonora vaia só ganhou silêncio quando Vandré, enfim, começou a cantar. Os apupos foram substituídos por um coro de vinte mil vozes acompanhando a magistral letra da obra prima do nosso conterrâneo.

Tomamos conhecimento pelos jornais de que após o evento, as manifestações de descontentamento continuaram, os jurados encontraram seus carros danificados, entre eles os de Bibi Ferreira e Ziraldo.

Naquela noite Vandré fez história. Por conta da repercussão da música aplaudida pelo público, após a edição do AI5 se viu obrigado a viver em exílio por alguns anos. O silêncio, como artista, que lhe foi imposto, nunca conseguiu calar a voz dos manifestantes sempre que ganham às ruas em luta por seus ideais, entoando o hino revolucionário que ele nos legou. Não há quem não se emocione ao assistir a gravação desse momento da vida nacional.

• Integra a série de textos do livro “INVENTÁRIO DO TEMPO II”, em construcao.

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Rui Leitão
Enviado por Rui Leitão em 19/12/2017
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