"LÁPIS" DE MEMÓRIA

"LÁPIS" DE MEMÓRIA

"Bendito quem semeia / livros a

mancheia / e faz o povo pensar".

CASTRO ALVES (trecho)

Houve um tempo, nas escolas dos anos 60/70, em que tudo era "decoreba", a começar pela Tabuada, já no Jardim de Infância. As provas orais eram frequentes e não havia vexame maior do que não saber -- perante a classe inteira -- qualquer resposta ou quais eram os afluentes da margem (esquerda? direita?) do longínquo Rio Amazonas, a 3 MIL km de Santa Catarina: "Juruá, Purus, Madeira, Tapajós, Xingu e Tocantins" ! Mas de que serviria, na vida de quase todos, saber "o quadrado dos catetos da Hipotenusa", o valor de X ou Y (meu maior terror !) ou o nome de serras, rios, picos e sabe-se lá mais o quê ?! Nos restou na memória, meio século depois, apenas a lembrança de alguns amigos e a recordação grata da figura de um ou outro mestre ou professora, mais compreensivos, menos severos e "caxias", durões, "brabos" !

Somente agora, de forma tosca, improvisada, tem-se um programa geral, restrito para todos os alunos e, adiante, conforme a vocação (?!) ou escolha, matérias específicas para cada futura profissão. No meu caso, nunca sonhei em ser NADA, nem mesmo motorista ("de trem", táxi ou caminhão, como meu pai, mais de 40 anos na estrada)... o que haveria de escolher, então ?!

Curiosamente, saber de cor "toneladas" de lições escolares pouco me serviu na vida inteira, exceto para solucionar as antigas "Palavras Cruzadas". As modernas não trazem mais acidentes geográficos, capitais e coisas do gênero. Com a noção meio equivocada de que "conhecimento é poder" -- depende do USO que se faz dele, acrescenta um pensador -- mergulhei nos livros de todo tipo, contos principalmente, a partir de Edgar Allan Poe. Romances recusava, devido "ao tamanho", mas antologias (de contos, claro !) de 300 ou 400 páginas eram "devoradas" com prazer. Foram momentos maravilhosos, "tempo perdido" do qual não me arrependo nem um pouco.

Dos "livrões" ficaram só decepções, com raras exceções, talvez porque no Seminário Menor a leitura -- em voz muito alta -- no refeitório lotado com 130 e tantos ouvintes famintos era tortura que nos fazia lamentar a existência deles, das obras, esclareça-se. Dos famosos autores ingleses antigos "só bobagens", detestei Charles Dickens e seu imenso "Aventuras de Mr. Pickwick", digo o mesmo sobre um certo "Barão de Munchausen". Até "Tom Sawyer", de Mark Twain, não me disse a que veio ! Na lembrança somente escritores americanos menores e franceses, além de um Bispo genial, talvez polonês, autor de "Quo Vadis", (de "Ben-Hur" ?) e "A Ferro e Fogo".

Afinal, o que ficou em minha memória desses 400 ou 500 livros lidos em quase 50 dos meus 65 outonos ?! (Nasci em outubro !) NADA, praticamente nada... penso que em quase todos sucede o mesmo ! Me resta somente a sensação de que esse ou aquele Autor "era bom" ! Por estranho que pareça, acredito que não RELERIA nenhum, exceto o conto intitulado "O Escaravelho de Ouro", desconheço o autor, que "me apresentou" aos 17 anos o Mundo dos códigos e escritas secretas, tema apaixonante que cultivei por décadas. (Computadores "detonaram" esse prazer, criam códigos criptografados com mais de CEM "CHAVES" para decifração.)

Creio que sou um ser "visual"... imagens ficam indeléveis no cérebro desde a juventude: HQs, telas, charges, desenhos esparsos vistos uma só vez ! Li a coleção TERRAMAREAR inteira sobre TARZAN -- de Edgar Rice Bourroughs -- mas só vêm à lembrança os diversos Tarzans dos quadrinhos em ilustrações magníficas de Burne Hogarth e Russ Manning (Alex Raymond teria feito apenas algumas capas), além de John Buscema ou as nem tanto de Jack Kirby, autor de 'Sargento Rock".

Enfim, o que se leva desta Vida passageira são as SENSAÇÕES e ler -- seja o que fôr ! -- nos traz esse prazer sensorial e anímico que poucas outras coisas produzem. Não me disseram se no Céu tem LIVROS... mas, se não tiver, fico por aqui mesmo !

Quanto ao título, refere-se a "lapsos" da memória, breve "apagão" que nos impede de recordar determinado fato, música, pessoa ou texto... "que fica na ponta da língua", sem contudo se revelar.

"NATO" AZEVEDO (em 16/dez. 2017)