FAXINE-SE

Fazer faxina… Arrumar o quarto, por exemplo… Vasculhar os armários para liberar espaço, desapegar-se de coisas que antes faziam ou fizeram sentido.

Arrumar o quarto é como se arrumar por dentro. E se você faz aquela limpeza-pente-fino é como se você se revisitasse, visse os pequenos pedaços do teu eu perdidos no espaço, no tempo… é uma viagem única que pode promover insights.

A distância é parente próxima do discernimento. A distância reorganiza tudo - a mente tem um novo olhar para o que já virou história. O coração absorve o que vê na sua frente de uma outra forma. Se antes alguma coisa perdida no teu mundo te doía, agora você se conforma e a vida segue em busca de outras rotas.

Eu acabei me vendo nos jornais que tanto guardei no fundo do armário. Eles foram fontes de grandes aprendizados. Acho que nesse ponto eu me equiparo aos catadores que vagam pelas ruas em busca de novidades no lixo alheio. Assim era eu, recebendo o jornal velho do domingo da casa da mãe do meu filho, como também os cadernos especiais de literatura, filosofia, artes, de jornais como Estadão, Folha de São Paulo e JB que meu queridíssimo amigo Douglas Pereira - que já partiu, partindo meu coração - guardava com tanto zê-lo em sua sala na Universidade da Amazônia. Aliás, também o vi estampado em jornal onde havia uma matéria, falando da saudade que ele deixou. Meu padrasto e amigo Joaquim Lobo era um dos que mandavam recortes de jornais para mim, do Rio de Janeiro para o Pará. Ou seja, acumulei essas coisas que foram muito importantes para mim. E ontem viajei nesses cadernos especiais, nesses recortes, e vi tanta coisa que foi de imensa valia para mim. Mas hoje a gente diz: “Ah, eu acho na Internet”. E tem coisas mesmo que são fáceis de encontrar online. Por isso, até me desfiz de fitas VHS (sim, eu guardei muitas, com os shows que fizeram minha cabeça: Legião, Titãs, Paralamas, U2, Guns, etc, etc, etc.).

Pensando no meu lixo, imaginei alguém se deparando com ele. Vendo aquele universo de informações espalhados em sacos plásticos do Zona Sul. Acho que, se soubesse aproveitar, aprenderia muito com tudo que tem neles. Assim como eu, garoto de 12, 13 anos, ficava madrugadas sentado na área de serviço da minha casa, lendo os jornais velhos que a minha mãe guardava em um compartimento de uma mesa que era usada para passar roupa. Eu adorava ler tudo que ali estava. E sempre era alimento para alguma ideia nova. Ali, aprendi muito! E agora me vejo, sentadinho no chão, encostado na porta, passeando por matérias e imagens de uns anos 80 distantes.

Dei adeus também para alguns cd’s de coletâneas que hoje são muito fáceis de serem encontradas no youtube. Aliás, muito doido ver algumas matérias de 1997, 1998, falando sobre a revolução da Internet. Ler isso hoje já não tem sentido, pois, em poucos anos, a tecnologia avança avassaladoramente. O que ontem era uma ideia, hoje é concreto e mais eficaz do que quando imaginado.

Em meus armários também tinham muitas e muitas cartas… Ah, as cartas. Fontes de saborosas conexões entre as pessoas. Um outro tempo de espera - o tempo de chegada de uma carta até a pessoa, aquela ansiedade, o coração transbordando poesia. Essas não tive coragem de abrir mão. Lá, cartas de amigas (onde li frases maravilhosas), de amores (onde olhei com atenção e vi um Raul apaixonado de mil formas), de parentes (pai, mãe, irmã, filho), pessoas dando força nos meus primeiros anos solitários do Rio de Janeiro (este ano fez 20 anos que estou por aqui)... Tudo um grande material para alguma coisa que eu venha escrever.

O meu mundo particular sendo desvendado, desbravado e me ensinando um pouco mais, quase como uma última gota para que eu me beba sem restrições e cuspa o aprendizado em forma de transbordamento necessário de histórias que são parte dessa vida vida de 43 anos de estrada. Ufa… O tempo passou. Eu passei. E agora me olho pelo retrovisor. E aprendo. E rio de tantas coisas que deixei impressas. De tantas coisas feitas na pressa de existir. Existi! Resisti! Vivi!

De faxina em faxina, essa maravilhosa capacidade da vida em se transformar. E vamos em frente, que o tempo e sua bagagem vem com força, anunciando novos crescimentos! Faxine-se!

Raul Franco
Enviado por Raul Franco em 22/12/2017
Reeditado em 22/12/2017
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