NATAL – QUANDO CRISTO VIVE EM MIM

Feliz Natal! – final de ano é a palavra de ordem, pra todos os lados e em diversos lugares ela está presente na boca e na mente de todos. Duas palavras que evocam magia, e quando falo de magia não estou aqui falando de ritos e cerimônias que apelam para as forças ocultas através de fórmulas mais ou menos secretas, estou de fato evocando o sentido artístico da palavra, que traz na enunciação efeitos extraordinários que produzem encanto e fascínio, pois não dá para ficar indiferente a uma pessoa que sorrindo, olha nos seus olhos e lhe diz: Feliz Natal!

Mas perdemos nossa capacidade de magia, ficamos adultos e sérios, esquecemos a verdade inesquecível, o grande segredo prenunciado pelo Pequeno Príncipe: “Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos”. Talvez seja por isso que o filósofo italiano Giorgio Agamben tenha afirmado que “a primeira experiência que a criança tem do mundo não é de que os adultos são mais fortes, mas sua incapacidade de magia”, como escreveu Manuel de Barros: “As coisas não querem mais ser vistas por pessoas razoáveis. Elas, as coisas, desejam ser olhadas de azul — desejam ser olhadas diferentemente. (...) Poesia é voar fora da asa, dando asas à imaginação alucinada. Há de se buscar a alucinação no começo do verbo: lá quando criança, quando na infância”.

O natal é o mistério do Deus encarnado, do Bom Pastor que veio pra salvar a ovelha perdida, carregando-a em seus ombros, pois se encontra fragilizada, conduzindo-a de novo ao local onde o pasto é verdejante e a água é cristalina. É quando enfim, podemos dizer: “Eu vivo, mas já não sou eu quem vive, é Cristo que vive em mim”, é o sentido pra viver que se perdeu na grande insuficiência do mundo, podendo assim voltar a crer em nossas utopias.

Sem a esperança utópica surge a impossibilidade da fé, quando então nossos sonhos minguam e não conseguimos acreditar mais em nada, restando apenas o momento exato em que a depressão nos mostrará a sua face fazendo nossa existência se tornar apenas solidão. O Natal é a pequena chama que reacende nossas ilusões, ingrediente fundamental dos sonhos, reinventando assim nossos sentimentos vividos dentro da tradição de que onde Jesus nasce não pode haver outra coisa que não sejam anjos que cantam – “Glória a Deus nas alturas. E paz na terra aos homens por ele amados!”.

O Natal traz a possibilidade de sonhar com as impossibilidades das quais nunca abriremos mão, afinal a fé, a esperança e o amor caminham de mãos dadas. Existe prazer maior do que voltar a sonhar? Um dia, aquele que nasceu com a promessa de salvar o mundo encontra-se agora na cruz, não está sozinho, há um ladrão em cada lado. A multidão presente traz em seus rostos a indiferença, apesar de estarem na mesma situação, os ladrões participam do escárnio. Durante as horas que passaram, um dos ladrões muda o seu pensamento e repreende o outro por aquela atitude a seguir faz o mais importante pedido da sua vida: “Jesus, lembra-te de mim quando vieres no teu reino”, como canta Renato Russo: “Existem os tolos e existe o ladrão”.

O Salvador está agonizando em seu momento final de dor e morte, os braços se cansam, as cãibras percorrem seus músculos o que o impede de empurrar-se para cima. Pendurado por seus braços, os músculos peitorais ficam paralisados, o ar pode ser aspirado pelos pulmões, mas não pode ser expirado. Ele luta para se levantar a fim de fazer uma respiração. É quando, em um esforço sobre-humano dióxido de carbono é acumulado nos pulmões e no sangue, fazendo assim as cãibras diminuírem esporadicamente, tornando-o capaz de se levantar e expirar e inspirar o oxigênio vital que lhe permite falar umas poucas palavras: “Hoje estarás comigo no paraíso”.

Naquele momento se fez natal, pois a esperança rebrotou no coração daquele homem e em sua alma recebeu o maior de todos os presentes – um olhar de perdão e aceitação. A promessa cantada por Renato Russo de que “Quem acredita sempre alcança”, nasceu com força e talvez o que aquele homem procurou por toda a sua vida, tenha finalmente encontrado, aquele olhar de amor. Quem é amado tem um olhar pra vida e pra morte muito diferente, como escreveu o poeta de Itabira Carlos Drummond de Andrade: “A morte não será procurada nem esquivada, e o homem compreenderá a existência da noite, como já compreendera a da manhã”.

Feliz Natal é desejo de que Cristo renasça em nossos corações e faça dentro dele um reino, principalmente nos momentos mais difíceis de nossa existência humana, pois sua presença é certeza absoluta da inexistência da solidão. O Natal é o atalho invisível denunciado na escrita de Carlos Drummond de Andrade: “Haverá dois jardins para cada habitante, um exterior, outro interior, comunicando-se por um atalho invisível”.

Que neste natal a magia aconteça em nossos corações e a cada “Feliz Natal” dito e ouvido, a vida que emana daquele que deu sua vida se faça ser sentido dentro cada um de nós e que juntos possamos cantar como Renato Russo: “Cordeiro de Deus que tirai os pecados do mundo tende piedade de nós. Cordeiro de Deus que tirai os pecados do mundo, dai-nos a paz."

Jairo Carioca, Psicanalista e Escritor, autor do livro “Crônicas de um divã feminino” pela editora Autografia.

Jairo Carioca
Enviado por Jairo Carioca em 23/12/2017
Código do texto: T6206692
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