Esquecer dói mais do que Lembrar

Eu esqueci a sua voz, o cheiro do seu quarto, apaguei os vestígios das suas mãos pelo meu corpo, suas digitais nas minhas coisas, varri os fios de cabelo do chão, queimei as cartas, deletei as fotos do computador, arrumei outros corpos, encontrei um novo amor.

Cada dia fica mais difícil lembrar de você, não porque dói, mas porque já não há muito o que lembrar. E o que torna esquecer mais doloroso é a sensação de algo existiu ali, nas brechas entre os livros na minha estante, num nome escrito na escada de madeira da cama que eu eu passei pra uma prima mais nova, em pequenos corações de sabonete presos numa caixa de plástico, em inúmeros ingressos de cinema e papéis de doce, num poster velho que a mãe acha perdido entre os sapatos e te pergunta "Você lembra?".

Não lembro, esqueci. Mas aquele sentimento de lacuna vazia permaneceu. Uma felicidade latente em estado de inércia só esperando para ser vivida de novo. E se tornaram insuportáveis os flashes de coisas que já não sei discernir se são reais ou fruto dos inúmeros sonhos que tive desde que você partiu para uma nova aventura.

Dói não lembrar.

Dói mais esquecer.

Sinto-me um tanto estupida quando vou digitar um numero no celular e, sem querer, automaticamente, digito o seu. Tenho que brigar mentalmente comigo mesma pois, se apertasse o botar de "ligar", lembraria. E ai saberia de novo como é sua voz e, mais importante ainda, seu desprezo. Porque é isso que me fez esquecer e é isso que também me impede de querer lembrar.

Às vezes, quando as coisas não estão como eu queria que estivessem, recordo que já fui mais feliz e também muito mais triste, ambas com você. Por isso esqueço e nao nego, apago com louvor. E quanto mais longe fico da tua imagem, mais perto estou de minha própria dor.

Ladra de Tinta Seca
Enviado por Ladra de Tinta Seca em 29/12/2017
Código do texto: T6211491
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