DONA VANDINHA





Da série: Meus tipos inesquecíveis.

"Ainda antes que os sinos dobrem, ela é uma presença vibrante subindo a ladeira"


Impossível é  não lhe querer bem.Ela traz um gesto de delicadeza sempre "no ponto" para oferecer ao interlocutor.
Sua presença insinua-se como aquela avó que todos gostariam de ainda ter. A voz é forte e a altivez que lhe cerca em nada revela os mais  de  oitenta  anos ja  vividos.
[ E muito bem ]
Encontramo-nos,dias atrás, numa destas esquinas de bairro (do mesmo bairro em que moramos)  por onde os relógios costumam emperrar as engrenagens e longas conversas vão fluindo sem que se tome conhecimento de ponteiros a determinar o tempo de cada um.
Nêstes espaços em que janelas espiam paisagens e carroças ainda ousam sulcar o chão no aro das rodas.
Entreguei-me aos seus relatos onde a trajetória de vida era o ponto alto.
Falava-me de seus dias de menina, numa colonia de imigrantes eslavos incrustada no sopé da Serra da Esperança.
Das longas viagens que fazia em carroções até a cidade, na companhia de seus pais, para aquisição de produtos ,que embora básicos, não chegavam até o lugar onde morava.
Dos  tempos de  guerra, da  excassex de açúcar e do mel de abelhas, colhido na  colonia onde vivia,utilizado como única  fonte  de  adoçante.
Das ordenhas em manhãs geladas,quando os pés enrijeciam às geadas de julho e,segundo suas palavras,"era preciso muita fé e força de vontade para não desistir da vida".
A narrativa prossegue em tom altivo,forte,vibrante...
As plantações, as leiras de milharais que pareciam não ter fim.A canção dos ventos na aspereza das folhas,a fase da ainda menina que jamais ganhara brinquedos, acariciando nas espigas, os cabelos de bonecas com que sempre sonhara.
Subitamente os olhos amiudam-se atrás das lentes dos óculos.O timbre de voz é agora revestido de sutil embargo.
Tenta disfarça-lo no esboço de um sorriso e abre-se nas lembranças do seu primeiro par de sapatos.
Tinha quase 15 anos.Tudo o que lhe calçara os pés, até então,foram surradas sandálias que iam passando-se de uma para outra irmã.
Usara os sapatos,pela primeira vez, numa manhã de domingo e feito cinderela tomara o rumo da capelinha na aldeia em que morava.
Haviam  trigais  a perder  de vista e seus  passos cingravam a estradinha  de chão,tão leve,quanto uma  revoada de  tico ticos.
Feliz, agradecera à Deus o milagre dos pés calçados.
E a conversa fora tomando consistência.Deixei-a completamente livre para que refizesse os caminhos de sua existência.
Encantou-me,comoveu-me,fez-se ainda mais admirada por mim.
Combinamos uma sessão de fotos e a exposição de sua linda história em minha página na  internet.
Talvez um certo receio a impedira de me procurar.
Na tarde deste sábado,como acontece costumeiramente,ainda antes que os sinos dobrem,ela é uma presença vibrante subindo a ladeira.
Vai à missa das dezenove horas.Pisa com altivez as pedras que revestem a minha rua.
Furtivamente,roubo-lhe uma sequência de imagens.
Sei que ela me entenderá.É tudo com a melhor das intenções,e com bom motivo.


Afinal,"Dona Vandinha",a senhora é mais uma na galeria dos meus "tipos inesquecíveis!"
Joel Gomes Teixeira

Texto  reeditado.
Preservados  os comentários ao  texto anterior:


14/09/2012 22:19 - José Maria [não autenticado]
Dona Vandinha é, pois sim, um anjo. Se quizerem, uma fada. Joel, nosso Poeta da Vila, encontrou-a. Encantou-a para nós. Num tempo de poesia ausente, ou de textos inteligentes, a crônica de Dona Vandina faz o coração ficar ligeiro e o olhar, úmido. É urgente encontrar a santidade da mulher, tão plena no coração das avòzinhas. Essa é a tarefa urgente dos poetas. Viva Dona Vandinha, em sua fé, em sua esperança em suas lembranças e repleta nas linhas do nosso Poeta. Parabéns Joel.


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30/01/2012 12:20 - RobertoRego
Joel, essa Dona Vandinha é, de fato, um tipo inesquecível, exemplo de pessoa forte, corajosa, personalidade forjada nos embates da vida campestre. Um relato primoroso, recheado de nuances maravilhosas,característica principal do seu estilo poético, caro amigo-poeta. Belas reminiscências. Aplausos e abraços fortes, Joel! ...


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28/01/2012 20:15 - Aristeu Fatal
Joel, inspiradíssimo poeta, seus textos são daqueles que não podem ter fim! Belíssimo retrato da vida interiorana, onde os personagens, como Dona Vandinha, nos levam às melhores recordações. Abraços


24/01/2012 05:02 - jorê
olá poeta! Rico, preciosíssimo, emocionante! Seu relato que, nos traz a vida simples de uma pessoa encantadora, dessas senhoras que por si só, é a história, é a vida, de um estado do nosso Brasil, composto por pessoas vindas de tão longe, para nos ensinar com dignidade, a ainda ouvir os sinos dobrarem...Embora a correria a modernidade chegada à cidade grande, não queiram mais saber de: "Por quem os sinos dobram"... n.a. "Por quem os sinos dobram" obra literária de um monstro sagrado, da literatura mundial, o fabuloso autor Ernest Hemingway. Leitura obrigatória dos meus tempos de estudante. obrigado pelo lindo texto. Fique com Deus! forte abraço jorê josé renato


23/01/2012 13:20 - leda Mara [não autenticado]
Belo texto,Joel!! faz lembrar as historias que minha mae ainda conta, de suas emoções, da saga da familia IUrk que tantas dificuldades enfrentaram por essas bandas,mas que certamente nos enriquecem pelo exemplo de vida!!!! parabens!!!!


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23/01/2012 11:05 - murilo de calambau
OI JOEL! PENA QUE A SUA CRÔNICA TERMINOU.TORCI PARA QUE OS PONTEIROS DE MEU RELÓGIO PARASSEM PARA CURTI-LA UM POUCO MAIS. PARABÉNS!OBRIGADO PELA VISITA À MINHA PÁGINA E PELA REFERÊNCIA Á MINHA "COLHEITA DE MILHO".ABRAÇOS.


23/01/2012 01:44 - Chico Chicão
Meu caro Joel de Irati do meu Paraná querido.Outra vez você brincando de delicadezas com emocões e sentimentos.Lindo!!!Lembrou-me as histórias que minha mãe contava,da gordura passada nos cabelos que depois derretia,e das viagens de carroca atravessando as serras do Vale.Emocionante relato,Joel.estas pessoas não são personagens,são Tipos qjue enriquecem o cotidiano,e fazem valer a pena viver.E o Moza? Onde anda?Qualquer dia vou pedir aos Anjos que facam o encontro dos Vales e das Serras,plenas de Araucárias,lugares que tanto amamos.Quem sabe os Anjos nos facam felizes.Obrigado.Fique na paz!


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22/01/2012 14:31 - Lisyt
Joel, suas imagens literárias são tão belas como as registradas por sua camera fotografica . Parabéns! Realmente, D. Vadinha é merecedora de fazer parte da galeria de tipos enesqueciveis que passam por nossas vida. Você, com sua sensibilidade, consegue garimpar preciosidades como essa. Um forte abraço.


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22/01/2012 13:09 - Ione Rubra Rosa
Oi,Joel. Simplesmente amei.Parabéns pela iniciativa.Aplausos.bjs no coração


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22/01/2012 12:15 -
Amigo Joel. Pessoas iguais a dona Vandinha, fazem parte do nosso cotidiano.Alguns percebem a importância que elas tem em nossas vida, outras mal conseguem enxergá-las. Graças a Deus que estamos no grupo que as vemos e conseguimos ver a singularidade e a importância que elas exercem em nossas vidas. Por isto acho, que nós somos pessoas especiais. Abraços fraternos meu grande amigo.


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22/01/2012 12:11 - magda crovador
Querido amigo, história comovente. Uma mulher forte fisicamente e espiritualmente. Na alma de Dona Vandinha brilha a sabedoria. As metáforas jorrando e enriquecendo lindamente o texto. A história de Dona Vandinha é um maravilhoso legado, deixado para as gerações mais jovens. Fiquei muito emocionada com a vida dessa meiga vovó. Parabéns a você e a Dona Vandinha. Uma boa semana. Beijos de luz.


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22/01/2012 12:06 - Giustina
Oi, Joel! Dona Vandinha deve ser um tipo apaixonante mesmo! Essas imigrantes, mulheres forte que acompanhram a luta ao lado dos maridos e pais numa terra inóspita, onde tudo estava por fazer. Grande beijo e bom domingo