Barulhos e zumbidos

Houve um tempo em que eu dormia ao lado da geladeira, pois a minha casa era um cômodo só. E aquele barulhinho de motor me atrapalhava o sono, às vezes eu chegava a acordar por causa do barulho. Pensava em tirar da tomada, mas ficava pensando no litro de leite que tinha lá dentro, já aberto, que eu precisava pro café da manhã e que ia estragar. E não desligava, dava um jeito de dormir assim mesmo, o que é que se há de fazer? Depois de algum tempo, eu já era capaz de perceber certas nuances no barulho do motor. Às vezes era um som mais grave e forte, e aí eu achava que havia algo errado com a geladeira. Tinha vez que o barulho diminuía quando eu dava uma batida no lado dela. Não era boa, a geladeira.

Mas depois de um tempo, o barulho do motor da geladeira não me incomodava mais, pois eu havia arrumado outra coisa, mais barulhenta, que abafava todos os outros ruídos. Tratava-se de um ventilador, que tinha o mérito de matar três coelhos com uma caixa d’água só. Primeiro, aliviava-me daquele calor do inferno em Brasília. Depois, afastava de perto de mim todos aqueles pernilongos do inferno em Brasília. Por último, mas não menos importante, abafava o barulho, também do inferno, da minha geladeira.

Tem gente que não consegue dormir com o ventilador, fica prestando atenção no barulho, mas é gente que nunca dormiu ao lado de uma geladeira. O barulho de um ventilador é aquilo que chamam de “ruído branco”, um som contínuo e na mesma frequência, ideal para quem quer pegar no sono. Já o barulho da geladeira não é contínuo, aparece com intervalos, no melhor do sono surge um VRMMM.

Bem, acrescentei então o ventilador às minhas noites, o que me trouxe outros problemas, pois aos poucos eu passei a identificar nuances no som dele. Percebia uns tec-tec fora do ritmo, quando girava. E então tudo o que eu ouvia era os tec-tec. Levantava, ia lá ver o que tinha de errado, mudava o ventilador de posição, chegava até a desmontar e montar outra vez o bichinho. Resolvia por umas noites, que eram as que eu dormia melhor. Falam que gasta luz, mas é bem pouca, não faz muita diferença na conta não.

A rotina barulhenta das minhas noites durou bastante tempo, todos os anos que fiquei na cidade, e eu me pergunto se não foi isso o que fez a minha cabeça ouvir demais. Um dia, sem que o ventilador estivesse ligado, e no momento em que a geladeira não fazia o seu tradicional barulho, eu reparei numa coisa: havia um barulho na minha cabeça. Eu podia escutar o silêncio. No silêncio total, eu ouvia algo.

O que eu ouvia era algo como uma sinfonia de bichos na noite da floresta. Mas muito harmônico, uma frequência só – um ruído branco. Soube então que havia entrado na lista de 28 milhões de pessoas só no Brasil que sofrem de zumbido. Mas o negócio não incomodava, só ouvia se o silêncio fosse total.

Aí um dia eu resolvi assistir a um vídeo que se propunha a abrir o nosso “terceiro olho”, que meios esotéricos consideram o nosso canal com o mundo espiritual. Não é que eu acreditasse nisso, mas é que sou um curioso nato. O vídeo nada mais era do que um ruído prolongado. Senti algo estranho no meu ouvido, mas não dei bola. Na mesma noite, percebi que estava com um ronco de motor no meu ouvido esquerdo, muito mais alto que o zumbido de então.

Tanto que eu chegava a acordar de noite com esse barulho interno. É um negócio contínuo que só se cala diante de algo mais alto, uma fala, uma música. Fiz alguns exames, certifiquei-me que não estava ficando surdo, mas o barulho não cedia. Aos poucos eu fui me acostumando com ele. Está comigo até os dias que correm, mas não me incomoda mais. Creio que é eterno, dificilmente esses zumbidos somem.

Seja como for, se estou mesmo com o terceiro olho aberto, ainda não vi nada que não tivesse visto.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 01/01/2018
Reeditado em 01/01/2018
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