Escrevendo o que eu escrevo

Escrevendo o que eu escrevo



Ainda não entendi a diferença entre escrever no RL e escrever numa página própria, leia-se blog, FB ou site. Em termos de web só conheço a experiência recantista, mutante, como tudo na vida. Calculo que aqui exista um certo diapasão, sem mencionar raio de alcance, ambos específicos.

A questão é que todo mundo que se aventura no mecanismo de moldar expressão em palavra escrita, na web, está numa faixa de compreensão, numa camada de consciência.

Coisas internas para serem trabalhadas, gritos não dados, digestões atrasadas, egos travessos carentes de aplauso, interpretações errôneas, agendas ocultas (bastou a tinta se espalhar no papel e a agenda se revela), talentos tímidos, gente calejada na lida com voz própria, gente procurando a própria voz, repentistas rasos, frequentadores mal educados, conversadores tolos, redatores sábios, pensadores brilhantes, e com sorte consegue-se extrair do buquê inteiro da dimensão virtual, vez por outra, amizades epistolares que de tão vívidas nos marcam profundamente. Tudo isso meio que fica claro no correr dos anos. Basta observar.

"As redes sociais deram voz aos imbecis”, Umberto Eco, uma afirmação já quase gasta pelo uso, verdadeira porém passível da ação do tempo, dia destes uma cabeça pensante atinou que o fenômeno de redigir na internet está aprimorando essa predisposição em cada escrevinhador. Lógico que o talento entra no mapa, experiência idem e, convenhamos, não é porque fulano(a) escreve bem que está isento de ser um imbecil. Mas o fato do item "aprimorar" doravante se destacar na equação significa que de modo coletivo o cardume nada para o positivo. Nem que seja na toada lento-contínuo-progressivo.

E precisa ser computado que o Brasil se prepara (esperamos) para sair da bolha mental em que esteve preso sabe-se lá por quanto tempo. Porque tal invólucro debilita um pouco a percepção. Já vi gente graúda em locais ditos sérios aventar a tese de que JK esteve entre os 10 maiores detentores de riqueza pessoal no mundo. Sei. Isso em 1960. E assim se invalida, por exemplo, o fato e não a especulação, de que a General Dynamics e algumas amiguinhas faturaram juntas em 1964, ou 1965, 100 bilhões de dólares. Muito dinheiro correndo pelo globo em incontáveis áreas para que um presidente de república das bananas tivesse sido a sétima fortuna do planeta. O contato com a grande cena derruba conceitos tolos. Talvez uma fatia da opinião pública já tenha se convencido de que um bronco presunçoso e uma baderneira psicopata não sejam exatamente o ideal para liderar o tão almejado projeto de nação. Tampouco continua valendo a máxima “Rouba, Mas Faz”, tentaram empurrar isso pra gente, e o autor, Maluf, agora está vendo o sol nascer quadrado. Uma conclusão, ainda que óbvia, é que nem ele, batedor de carteira por comparação, nem a angustiante dupla lula&dilma, sem mencionar geddel, delcidio, etc., etc., roubaram os montantes que roubaram sem a anuência de literalmente dezenas (ou centenas?) de cúmplices, espalhados nas máquinas do estado e apaniguados. Taí uma boa percepção para 2018.

Por ser um organismo vivo, a web alenta no imbecil, sendo eu modesto integrante desta casta, a esperança de interatividade, afinal escrever e guardar na gaveta é passado, a alma tem uma voz, a mesma anseia em ser ouvida, indo um pouco além, se estabelecer como mais uma voz entre as vozes. Imbecil ou não. Ou em vias de transcender da imbecilidade para patamar mais sofisticado. Para que? Compartilhar insights, ternuras, inclinações e a tão almejada consciência do coração com aqueles que nos cercam.

Cerca de dois(?) anos atrás apareceu uma plataforma onde você podia publicar seus textos com a possibilidade de ganhar por isso. Não sei se ainda existe. O curioso é que tão logo eles iam pro ar aparecia uma tarja ao lado mensurando o tempo de leitura. Uai? Isso só me parece producente se eu estiver num prédio em chamas, carente de ler nalgum manual eletrônico de emergência a saída da ratoeira.

2018 está sendo rotulado pelos guias angélicos como o “Ano da Colheita". Notícia anunciada na hora certa, vamos em frente disseminando a boa nova, o que anda cansativo consiste na presença diária, quase ostensiva, em qualquer veículo com pretensão de vender informações, aquilo que pode ser descrito como Texto das Caravelas. Explico, funciona mais ou menos assim: “As caravelas possuem três mastros. As caravelas navegam em oceanos. As caravelas não navegam em rios. Neste final de semana papai me levará para ver as caravelas”. Ponto. Não sai daí. Está mascarado com informações inócuas, volteios previsíveis, vitupérios ardidos, quiçá adjetivos finos, às vezes tudo junto, mas é isso, liso como uma tábua. Para piorar, há os que se levam muito a sério. Então a leitura que deveria acrescentar se desloca num salto só, sem escalas, do tedioso torturante ao excruciante agudo. A era da informação anda sonegando muita coisa.

Vou te dizer, não se contam nos dedos os talentos que vejo, já vi e convivi neste sítio, cronistas virtuosos, contistas hábeis, verves poéticas de letra limpa, criativa, verdadeira, parte deles se bandeou para cimos diversos, esse tipo de escrita hoje rareia, vez ou outra sinto falta do convívio, da produção, do intercâmbio dos pontos de vista. A grande mídia perdeu tais atributos faz tempo, noutros nichos nunca constatei, tudo soa estereótipo, pasteurizado, festival de truques desapaixonados em cima de um muro coberto de limo.

De modo geral, o balanço cultural brasileiro do ano passado deixa saldo temerário e a velha e estimulante emulação causa vazio em certa faixa etária. Se estamos na mesma página, vou sussurrar um único nome e tenho certeza que você vai sorrir com a lembrança: Luiz Bonfá. Já houve aplauso caudaloso para tal diamante nesses trópicos transformados.

2017 também foi pródigo em mentes afiadas no FB que literalmente rasgaram o verbo na arena política e na valsa dos costumes, ajudaram e muito a esclarecer o brasileiro que venera tiriricas e artes escatológicas a entender que o buraco é mais embaixo, eles e elas, parte com nomes fakes divertidos, não consigo vê-los na classe descrita por Eco, opinam pra valer mesmo, ora com textos rápidos, ora com cacetadas de palavras, ainda que ali não exista poesia vejo como crucial a expressão desses contemporâneos no aprimoramento da coletividade.

Steve Jobs, devemos um pouco a ele nossos cacarejos “internáuticos”, com 13, 14 anos, ganhou do destino uma professora chamada Imogene Hill, que botou reparo no garoto por duas semanas e desenvolveu um método particular de lidar com uma energia fabulosa embora mal dirigida. Ele mesmo disse que se não fosse por ela teria ido parar na cadeia. Não se conheciam até então. Ela percebeu que a figura estava longe de se tratar de um aluno como os outros e pôs em prática a guiança de Jiddu Krishnamurti: “A capacidade de observar sem julgar é a mais elevada forma de inteligência”.


(Imagem: Miniatura  by Slinkachu)
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 02/01/2018
Reeditado em 01/06/2020
Código do texto: T6214457
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