Chiclet's

- São 5 da manhã, o que voce quer? - Há três dias, o rapaz fazia a mesma pergunta, todas frustradas por murmúrios desconexos e sem sentido. Ele odiava rodeios e ela era a personificação de uma rotatória sem fim. Mesmo assim, era naquela curva invisível que ele fazia questão de se manter preso. Por puro masoquismo, agonia, prazer, quem saberia dizer?

- Sabe, uma hora você vai ter que me dizer. Não é normal uma garota na sua idade nao conseguir dormir. - E virou para o lado, cobrindo a cabeça com o cobertor.

A menina ergueu o corpo até a metade, apoiando todo o peso nos cotovelos. Uma posição desconfortável já que o colchão parecia uma maria-mole, exigência dele, claro. Nesse ponto, dava pra entender. Se ela tivesse deitado a vida inteira num colchão duro e cheio de buracos, também ia querer um pouco de conforto.

Gostava quando o menino era ranzinza. Na realidade, na maior parte das vezes o irritava de propósito, só pra conseguir uma briguinha atoa e rir daquilo sozinha no banheiro depois.

A coisa agora era um tiquinho mais séria e esse era o motivo de não estar dormindo direito. Havia algo novo e mágico acontecendo bem ali, debaixo da pele morena, das camadas de gordura e carne. E não era apavorante como a descrição parecia. Certo, talvez só um pouco, o suficiente para um pouco de insônia.

Respirou fundo - a terceira ou quarta vez na última hora - e cutucou o parceiro de novo. Um suspiro inflou o cobertor antes de descobrir a face do rapaz. Agora estavam ambos um olhando para os olhos do outro: ela era só medo, ele era só impaciência.

- O que voce faria se soubesse que há outro homem na minha vida? - Os olhos claros se arregalaram em resposta. O garoto era dono das pedras esverdeadas mais incríveis que ela já havia visto: a mistura perfeita de castanho de outono com o verde vivo da primavera. Quando o susto passou, ele virou de barriga para cima, os dedos coçando a barba nervosamente.

A moça odiava aquela barba.

- E se fosse outra mulher?

Novamente, foi um olhar confuso que a respondeu antes das palavras surgirem tropeçadas por aqueles lábios. - Por que está falando essas coisas?

Ela chegou mais perto, deixando o nariz quase encostar no dele. Um bando de cachos escuros escapou por cima do travesseiro e fez coçar-lhes o nariz. Delicadamente, levou a mão dele até a parte baixa da barriga, segurando firme enquanto o homem tremia, já prevendo o que estava por vir.

- É que acho que vamos ter que nos acostumar com a ideia. - E sorriu, o mesmo sorriso de chiclet's que o encantou da primeira vez, um sorriso que, no fundo, ele esperava ver clonado em outro alguém...

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Ladra de Tinta Seca
Enviado por Ladra de Tinta Seca em 03/01/2018
Código do texto: T6215334
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