ROMANCE PASSAGEIRO

Onde moro é parte de uma linha de tráfego aéreo, ainda quando criança apontar para os grandalhões do ar já não era tão interessante, até ele chegar. O garoto que usava óculos e sorriso brilhante era muito simpático e logo fez amizade na nossa rua, eu logo tratei de perguntar seu nome para minha única amiga e informante Ana, Hugo se enturmou rapidamente e em belo dia em uma amarelinha nos conhecemos, a brincadeirinha de menina que ele ousou acompanhar para a gargalhada de todos os seus amigos.

- Oi, Posso brincar com você?

- Sim!

Desajeitado para jogar, não sabia as regras do jogo, jogava a pedra para fora das casas e parecia mais querer conversar.

- Meu nome é Hugo, vim de São Paulo e estou morando aqui agora.

- Ah legal! Meu nome é Carolina e moro aqui desde que nasci.

Hugo esboçou um leve sorriso e me contou que havia conhecido meu irmão e que estava gostando muito de ter se mudado, muito entusiasmado começa a me contar as diferenças de seu antigo estado para uma cidadezinha do entorno de Brasília. Nós cansamos de brincar, sujos e suados corremos para casa com os berros de nossas mães. No dia seguinte, lá estava eu sentada na calçada, riscando o chão com uma pedra esperando companhia para brincar. Hugo saiu de sua casa e veio em minha direção Bom dia! Ele exclamou, e respondi um bom dia meio cabisbaixo, ele reconhecendo minha falta de animo me perguntou o que estava acontecendo, respondo que meus pais brigaram noite passada e não estavam muito bem, ele para me acalmar respondeu que era normal e que acontecia com sua família constantemente e que nós não devíamos nos meter nas conversas dos adultos. Para descontrair ele falou que iríamos brincar de identidade, ele falou que iria começar para que eu entendesse o jogo, calada ouvi seu perfil e sorria de suas bobagens.

- Eu Hugo, sou muito feio e estranho. Eu gosto de gatos e dos doces da vovó, quero ser piloto quando crescer e quero tocar guitarra, agora é a sua vez.

- Bom eu Carolina, sou muito tímida e desorganizada. Eu gosto de cachorros e de salgadinhos de festa de criança, quero ser professora quando crescer e quero aprender a tocar piano.

Ele olhando para cima, colocou a mão no queixo e disse é bem previsível, me arrancando sorrisos com seu jeito irônico. Assim, se sucederam todas as nossas férias, morando em um bairro simples, a criatividade para usar das adversidades unia as crianças do bairro até para a invenção de jogos e brinquedos, as toras de pau, garrafas pet, areia e britas das construções de vizinhos eram nossos pratos cheios. Os dias foram se passando e cada vez mais me aproximava de Hugo, eu mostrando-lhe as melhores árvores para subir e quais os vizinhos reclamavam se fossemos bater bola por perto e ele me ensinando a empinar pipa e a andar de bicicleta. Mais descolado e simpático ele me apresentou ao pessoal da minha própria rua que nunca havia conversado. Só que a nossa amizade chiclete não passou despercebida pelo pessoal que não deixou barato e então começaram os boatos de que estávamos namorando, a primeira vez que ouvimos a zombaria, nos olhamos e pensamos: não, somos amigos. Na manhã seguinte, Hugo me cumprimentou, mas brincou mais com os meninos, eu na hora pensei que eu é que estava ocupando muito seu tempo e que ele devia querer ficar com os jogos mais pesados dos meninos. Ele era bom no futebol, e era inteligente, também era simpático, adorável, engraçado, paciente, e... de novo quis apagar esses pensamentos bobos, nós éramos apenas duas crianças eu tinha 11 e ele 12 anos.

Quando caiu a tarde Hugo se despediu de seus amigos e passando um olhar por mim ao longe sentada na calçada da minha casa, entrou e me deixando desapontada ao ouvir o som do seu portão sendo trancado. Naquela noite, fui para cama mais cedo e olhando para o teto ao som de aviões que só me faziam lembrar o amor de Hugo por aquele tal de ‘Santos Drummond’ vinha sua voz animada falando de todos os modelos aéreos existentes e eu fazendo qualquer pergunta sobre o tema para ele pensar que eu estava interessada. Lembrei-me do dia em que admirando as nuvens, nos desafiamos a descobrir quais desenhos estavam em suas formas. Hugo tivera sido tão paciente e companheiro esses dias me acompanhando e ensinando tantas coisas, não compreendia sua frieza durante o dia. Revirei de um lado para outro tentando entender porque ele me ignorou durante todo o dia, não pareceu o mesmo Hugo educado e simpático que conheci. Com os olhos fundos de uma noite mal dormida lá estava eu no lugar de sempre, esperando ele sair. Antes que ele viesse ao meu encontro eu levantei e o parei no meio da rua:

- Olha aqui porque você não falou direito comigo? Eu fiquei esperando você para brincarmos juntos, você não falou que ontem era o dia do balanço na praça e você jogou futebol o dia todo, eu estou muito chateada com você, por que prometeu se não iria cumprir? Falando isso como o Galvão Bueno ao narrar um tenso jogo de futebol, em uma única respiração desabei em reclamações para ele.

Ele muito centrado ouviu e disse que antes de falar qualquer coisa queria que fôssemos ao balanço, era muito cedo e as ruas estavam pouco movimentadas, a praça fica na quadra de baixo de nossa rua. No caminho, eu já me arrependendo do que tinha dito, decidi que lhe pediria desculpa assim que chegássemos lá. Quando sentamos nos balanços os dois ao mesmo tempo disseram:

- Me desculpa!

A coincidência da frase pronunciada no mesmo tempo quebrou o gelo entre nós.

Ele muito educado se desculpou e falou que só queria um tempo com os meninos e que precisava se afastar um pouco de mim para tomar uma decisão. Hugo absorvendo minha timidez olhou para baixo e começou a falar:

- Desde o dia em que pousei aqui e te vi brincando na rua sozinha já te achei uma menina diferente e bonita. E assim foram os outros dois dias, não sabia como conversar com você, então resolvi enfrentar os meninos e ir lá te acompanhar em uma amarelinha e não me arrependo daquele dia, nem de todos os outros que passamos nessas férias, você é muito legal, muito mesmo, a menina mais legal que já conheci. Ontem eu quase não dormi pensando em como te falar isso, mas eu acho que meu coração e minha cabeça estão com um turbilhão de pensamentos e emoções que nem sei explicar e acho que ouvi uma vez na tv que quando não sabemos explicar um sentimento é amor.

Nós dois paramos de balançar e quando ele olhou para mim duas lágrimas escorreram pelo meu rosto, ele com uma cara confusa se eu estava feliz ou triste esperou eu me recompor e para lhe responder, levantei, ele repetiu meus passos e por um segundo acompanhamos um avião cruzar o ar e só pude lhe responder que quando nos conhecemos eu estava no céu e assim me senti enquanto ele esteve comigo durante todos esses dias e como ele foi o piloto da minha felicidade, ele enxugou minhas lágrimas e me beijou sem ao menos passar pelo check-in o vôo de Hugo foi autorizado.

Inspirado na Série Anos Incríveis e no filme Primeiro Amor.

Admiradora Secreta
Enviado por Admiradora Secreta em 05/01/2018
Código do texto: T6217780
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