"NÃO SOMOS RACISTAS"

“A Globo é visceralmente contra o racismo em todas as suas formas e manifestações. Nenhuma circunstância pode servir de atenuante. Diante disso, a Globo está afastando o apresentador William Waack de suas funções em decorrência do vídeo que passou hoje a circular na internet, até que a situação esteja esclarecida”. É assim que começa a escrita de mea-culpa da maior emissora de TV do nosso país, uma emissora onde o diretor geral de jornalismo Ali Kamel, escreveu um livro com o título: “Não somos racistas”, levantou uma bandeira irônica “Somos todos Maju”, mas mantém e sustenta o racismo institucional, haja vista que, em 2011 a pesquisa feita por Claudia Acevedo e Luiz Trindade revelava que, entre 65 apresentadores de 27 canais abertos, apenas 6,15% dos profissionais eram negros. Os outros 93,85% eram brancos. O SBT possuía 20% dos jornalistas afrodescendentes como apresentadores, enquanto a Globo ficou com 6,9%, e de lá pra cá pouquíssima coisa mudou. Mas o diretor de jornalismo insiste: “Não somos racistas”.

A estruturação do racismo reside na invisibilidade dos negros, na construção de estereótipos preconceituosos, na negação de direitos e na desigualdade de condições e oportunidades que aumentam o abismo entre negros e brancos. “A universidade (Uerj) teve o prazer e a honra de receber um professor negro, um negro de primeira linha vindo de um doutorado de Paris”, essa é a fala de elogio do Ministro do Supremo Barroso ao ex-ministro do Supremo Joaquim Barbosa, a única concessão que o Sistema Jurídico cedeu a um negro na história do Brasil, e claro, concedido porque na presidência estava um nordestino e negro, o LULA, o mesmo que ao ter seu título de Doutor Honoris Causa concedido pela Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB) vetado pela Justiça Federal disse: “Cada menino negro da Bahia que recebeu o seu diploma é o meu título de Honoris Causa. Já recebi o meu título pelos milhares de alunos negros que estão na universidade”.

Vivemos no país dos mitos: Primeiro vem Gilberto Freyre que através de seu texto “Casa-grande e Senzala” e "Sobrados e Mucambos", traça narrativas científicas se esforçando para nos oferecer um mito pacificador: a “democracia racial” e sua harmonia de uma identidade nacional, sem nenhum conflito, quase religiosa, uma coisa linda de se ver – o verdadeiro Paraíso. Mas quando a democracia racial não dá conta do engodo, quando se percebe que só obscureceu a realidade do racismo, na escrita de Florestan Fernandes como o "preconceito de não ter preconceitos", então vem Roberto DaMatta e nos presentea com a “Fábula das três raças”, onde “índios, negros e brancos” são colocados como uma mistura homogênea que dá origem ao “brasileiro”, dentro de um conceito hierarquizado de classes herdadas do período colonial.

Mas esqueceram de que ao entrar nas universidades, nós, “os negrinhos” aprendemos a ler o mundo e a refletir sobre ele. Nossa leitura nos mostrou que 23 mil jovens negros morrem por ano no Brasil, além disso, 75% da população carcerária é negra e 70,8% da população vivendo na extrema pobreza é negra (dados divulgados pela Organização das Nações Unidas, em Março de 2017), e que negros sofrem mais porque são negros do que por serem pobres.

Sabemos ler, e se a desigualdade racial continua existindo, como posso afirmar que o racismo inexiste? Como posso dizer que o Brasil não é racista? Apenas não somos corajosos o suficiente para expor o que de fato pensamos. Isso demostra que convivemos numa sociedade hipócrita. “Tem me incomodado muito o tipo de gente que vejo quando entro no campus da UNICARIOCA. Como meus pais e avôs diziam, antes a elite branca, gente bem-apessoada, de boa condição socio-econômica e educação refinada, habitavam a Universidade Carioca e tornavam-a um oásis de prozas ricas e produção científica e cultural. (...)A Unicarioca de hoje se tornou uma boca de fumo e senzala gigantesca para abrigar toda pária social”, escreveu Ricardo Wagner Arouxa, um sujeito que coleciona processos no Brasil pela sua escrita sexista, machista, racista, homofóbica, misógina e sei lá mais o quê.

Essa escrita infeliz de um sujeito que se diz sentir prejudicado, ou assume que a universidade está sendo prejudicada pelas cotas apenas reflete o pensamento de diversos antropólogos e cientistas sociais que chegaram a escrever que as cotas raciais feriam o “pacto republicano”, e produziria um racismo por “efeito de injustiça e ressentimento” dos segmentos autodeclarados brancos, pois estes enxergariam injustiça, que essa política produziria uma desarmonia racial, eles esqueceram ou então não leram o que escreveu o diretor geral de jornalismo Ali Kamel de que no Brasil, “Não somos racistas”.

Por outro lado este artigo de incômodo revela que não é o negro na universidade que incomoda e sim a ascensão social deles, e quanto mais ascensão social houver, maior será o incômodo causado e maiores serão a resistência através do racismo velado, maior será a experiência de racismo e preconceito sentido por estarmos ocupando lugares que eles dizem que não nos pertencem, ouvi isso de um Diretor e Psicólogo quando atuei como psicanalista leigo dentro de um projeto da Secretaria do Estado. Não questionaram minha técnica, não desqualificaram minha abordagem, não testaram meu conhecimento, o incômodo se deu apenas porque eu estava ocupando o lugar de um psicólogo.

Fico aqui pensando o quanto a escrita do Ricardo encontra eco em muitos corações, pois se vivemos numa época do politicamente correto, onde a revista Veja condena William Waack na capa, mas Augusto Nunes defende o jornalista no site da revista, afirmando que “o país seria muito melhor se houvesse mais gente provida das virtudes que sobram em William Waack”, só nos resta o silêncio no recôndito de nossas mentes daquilo que realmente pensamos que racismo velado não é racismo, desde que se mantenha velado.

O problema é quando o que está velado, se desperta, como aconteceu com o Ministro Barroso ou o Jornalista William Waack, e diversos outros, que desconhecem, ou ignoraram o que disse o velho mestre de Viena, Sigmund Freud, de que pensamentos ou crenças inaceitáveis retidos a partir da consciência e ocultos no inconsciente, em algum momento serão revelados pelos lapsos, como ele diz em suas próprias palavras: “O elemento perturbador é um único pensamento inconsciente, que vem à luz através do engano especial”.

Resta-nos, portanto, esperar com paciência que o inconsciente nos revele o que se esconde dentro de cada um de nós, mesmo que se insista em dizer, numa autoafirmação hipócrita o contrário – que “Não somos racistas”, em nosso inconsciente, é o que de fato somos.

Jairo Carioca é Psicanalista, Teólogo e Escritor, autor do livro “Crônicas de um divã feminino” pela editora Autografia.

Jairo Carioca
Enviado por Jairo Carioca em 09/01/2018
Código do texto: T6221693
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