Será que criei um machista

Eu nunca pensei que homens ciumentos fossem, particularmente, machistas, porque sempre vi o ciúme excessivo mais como um problema psicológico, algo que a pessoa necessita resolver consigo mesma, afinal, sabemos muito bem que também há mulheres insuportavelmente ciumentas. Claro que os dois sexos, até onde sei, têm formas diferentes de manifestar seus ciúmes e um homem ciumento pode se tornar perigoso se não controlar este traço doentio de sua psique.

Para um escritor, um tipo ciumento sempre pode render cenas cômicas ou trágicas, dependendo de como retrata as situações. Passei por isso quando estava aprendendo inglês e, para exercitar um pouco a escrita e a criatividade, resolvi criar um casal inglês, John e Martha. Ambos vivem em Londres, Martha, mulher bonita, amável, trabalha como professora e John, um homem alto(1,92m) e forte (100kg) e trabalha como executivo numa pequena empresa publicitária. Na história, fiz questão de mostrar John como um marido apaixonado, que carrega Martha no colo e lhe dá flores, e Martha como boa esposa. Na tentativa de criar um toque cômico, coloquei que John é extremamente ciumento a ponto de seus colegas de trabalho o apelidarem de Otelo (uma referência ao personagem de Shakespeare) e fazerem piadas do tipo: "Então, John, o monstro de olhos verdes(ciúme) está atormentando você de novo?"

Os ciúmes de John rendem cenas hilárias. Ele detesta ver qualquer homem se aproximando de Martha, fazendo cara feia para os próprios colegas de trabalho dela. Numa cena, John encontra um colega de Martha no mercado e o homem, ao vê-lo, vai imediatamente para outro lado, pois ele intimida. A cena máxima de ciúmes de John ocorreu numa festa de aniversário de outra professora, melhor amiga de Martha. Nesta festa, John encontra um professor de Matemática, de quem não gosta por ele dar em cima de outras mulheres, mas Martha pede que ele se controle. Com raiva, John vai bebendo uísque e o outro professor, também bêbado, comenta: "John, sabe, normalmente não acho mulher grávida bonita, mas Martha está linda grávida."

A cena rende. John tenta expulsá-lo da festa, o outro professor diz que não irá, os convidados observam, Martha tenta controlá-lo mas ele não se contém e derrama uísque na cara do outro, que insiste que vai ficar na festa. Então, John pega o bolo de aniversário e diz: "Por que você não vai? Você quer o bolo, é? Pois então, coma o bolo!" E atira o bolo na cara do outro. E as crianças, filhas dos professores, reclamam: "Tio John, você estragou o bolo!"

Para mim, esta foi a cena máxima. Minha mãe, que lia tudo que eu escrevia, ficou com raiva de John. Ela comentou:"Oh, idiota John, estragar o bolo!" Mãe costumava comentar que John é o típico homem machista e possessivo, que trata a mulher como sua propriedade e que Martha, na verdade, é vítima de um relacionamento abusivo, já que homens como ele fazem com que a mulher acabe ficando com uma vida limitada. Isto me forçou a refletir. Será que criei um machista? Isto mostra que não basta uma mulher trabalhar, ter seu próprio dinheiro, visto que Martha trabalha e não depende do dinheiro de John, para estar livre de viver ao lado de um machista. Muitas pessoas a quem contei a história disseram que ele é abusivo e grosseiro e algumas até comentaram que muitas mulheres vivem nessa situação. Houve gente que pensou que a história fosse real e falou:"Pelo tamanho dele, ela talvez tenha até medo dele. Se ele intimida outros homens, o que não faz com ela?" Eu até falei:"Ele nunca bateu nela." Falaram:"Mas ele não dá motivos para que ela tenha medo?"

Obviamente, não basta o homem não bater para não ser abusivo e pode-se ver que muitas mulheres, na vida real, mesmo não dependendo financeiramente dos seus maridos, são vítimas de relacionamentos opressores e muitas vezes sem o perceber. Pode ser que Martha seja uma dessas mulheres. É frequente que o machismo e a postura abusiva sejam tão sutis que as mulheres vítimas desses homens sequer o notem.

Fiquei horrorizada ao pensar que posso ter criado um tipo assim.