O Pinheiro

A casa da minha bisavó ficava na mesma quadra em que eu morava, do outro lado da rua, uns trinta metros acima. Era construída abaixo do nível da calçada e para chegar até ela abríamos um pequeno portão azul-claro, de madeira, e descíamos alguns degraus da escada de cimento até dar num corredor no meio do terreno. Do lado direito, havia verduras plantadas: couve, cebolinha, manjericão e um pouco mais à frente a casinha do cachorro vira-lata preto-e-branco, cujo nome não me lembro mais. Do lado esquerdo ficava a casa e um pequeno jardim à frente, onde se destacavam as gestas, um arbusto comprido e fino de muitos galhos e quase sem folhas, com pequenas e perfumadas flores amarelas.

Da casa propriamente o que eu mais gostava era da sala. Na entrada, à esquerda, havia um grande sofá preto e do lado direito um móvel que parecia uma penteadeira, onde ficavam expostos alguns ferros de passar roupa a carvão. Sim, minha bisavó passou muita roupa com ferro a carvão. Nas paredes, muitas fotos emolduradas. Dentre estas, uma particularmente me chamava a atenção: nela aparecia um menino, que talvez não tivesse mais que um ano de idade. Vestia uma roupinha branca, que hoje lembraria mais uma camisola de dormir, com uma gola grande e calçava sapatinhos pretos envernizados. O menino estava sentado no chão e olhava fixamente para frente, em direção ao fotógrafo e atrás dele se via um pequeno arbusto, que aparentava um pinheirinho. Eu tinha então uns quatro anos e perguntei à minha bisavó quem era aquele menino. Ao que ela me respondeu:

- Esse menino era meu filho, mas ele não está mais aqui.

Minha bisavó perdera aquele filho ainda bem pequeno e pelo que me consta a foto havia sido tirada pouco tempo antes dele falecer. E perguntei a ela:

- E onde ele está agora?

E ela, talvez não sabendo como abordar um assunto tão delicado a uma criança, me veio com esta:

- Está vendo aquele pinheirinho atrás dele?

Eu respondi que sim. Ela continuou:

- Então, o pinheirinho cresceu muito rápido, os galhos o pegaram como se fossem uma mão e o levaram para o céu.

Eu fiquei assustado com aquilo. Perguntei muito admirado:

- O pinheirinho o levou pro céu? E a senhora não o pegou antes do pinheirinho crescer?

Ela respondeu:

- Não deu tempo de pegá-lo meu filho. Mas deixa isso pra lá, vai brincar.

Bom, dá pra imaginar o impacto que tal revelação causou a mim com aquela idade. Passou-se o tempo, umas semanas talvez, e um belo dia estou na casa da minha avó, que também morava na mesma quadra que eu, e ela estava cuidando de seu jardim. E o que havia bem no meio do jardim de minha avó? Sim, um belo e grande pinheiro. Como o jardim era pequeno, a roupa da minha avó roçava no pinheiro. Não preciso dizer o pânico que aquilo me causou. Imediatamente eu avisei minha avó:

-Vó, não encosta no pinheiro senão a senhora vai pro céu!

Minha avó, que não deve ter entendido o que eu havia dito, talvez entretida que estava cuidando das plantas, respondeu:

- Tá, nego.

Mas a blusa dela teimava em se enroscar nas cascas secas agarradas ao tronco do bendito pinheiro, e tornei a avisá-la:

- Vó, cuidado pra não encostar no pinheiro, senão a senhora vai pro céu!

Afinal, o que minha mãe me diria se o pior acontecesse? Algo do tipo:

- Tua avó estava encostando no pinheiro e você nem pra avisá-la? Olha o que aconteceu: ele a levou pro céu!

Não, não podia vacilar nesse momento. Porém, minha avó não estava entendendo nada daquilo e me perguntou:

- O pinheiro vai me levar pro céu, nego? Me conta essa história direito!

Então expliquei o relato tenebroso de minha bisavó e o porquê de minha preocupação. Minha avó, ao entender a situação, balançou a cabeça e apenas disse:

- Ai, a minha mãe... tá nego, o pinheiro não cresce rápido e não leva ninguém pro céu, entendeu? Pode encostar-se a ele o quanto quiser que ele não leva ninguém pro céu. Tá vendo? Esquece isso e vai brincar.

Pois é, para um adulto é fácil lidar com essas coisas. Mas com uma criança não é bem assim: minha bisavó conta uma coisa, minha avó outra e eu é que tenho que enfrentar os pinheiros da vida... Fato é que, depois de um tempo, quando eu estava com cerca de seis anos e entendia um pouco melhor essas coisas, percebi que de fato as árvores não cresciam assim tão rápido nem nunca mais ouvi o relato de alguém que tivesse ido para o céu por culpa de um pinheiro e pude, enfim, me tranquilizar e encarar os pinheiros como árvores bonitas como quaisquer outras, porém com uma ressalva: eles têm para mim uma história para contar.