O índio que arruinou o Brasil

Seguindo a tendência nacional de desvios de culpa, também quero ter o meu momento de constatações inúteis e besteiras político-poéticas. Não posso perder a oportunidade de me eximir de toda e qualquer eventual responsabilidade pelos tropeços da nação. Melhor: não posso deixar escapar a chance de encontrar um culpado. E sem permitir chance de defesa ao infeliz, a garantia de plena limpeza de consciência é maior.

O recente divisor de águas na minha vida foi uma aula de Literatura: quando li a Carta de Pero Vaz de Caminha, que idiotas insistem em chamar de a Certidão de Nascimento do Brasil, descobri a origem de todos (sim, todos!) os problemas atuais e históricos do país. O tal manuscrito é o relato do escrivão da frota de Cabral à Coroa Portuguesa, em 1500, sobre o achamento da então Terra de Vera Cruz. Nele, estão as primeiras impressões sobre o contato inicial dos lusos com nossos nativos indígenas. E o começo da desgraça.

Há, na tal carta, um trecho que narra a tentativa de comunicação entre os distintos povos, quando da chegada das naus da terra de Saramago ao nosso litoral. Fracasso total. Até que, em determinado momento, um dos índios notou o colar do capitão Cabral e, efusivo, “começou a acenar com a mão para a terra e depois para o colar, como que nos dizendo que ali havia ouro. Também olhou para um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para o castiçal, como se lá também houvesse prata”.

Pronto. Estava feita a burrada. Como amante confesso da Teoria do Caos, não posso deixar de crer que nasceu deste encontro luso-tupiniquim a interminável sequência de erros que nos colocou onde estamos, depois de cinco séculos avançando em slow-motion.

Quem foi este maldito índio que ofereceu de ‘lambuja’ nossas riquezas subterrâneas? Quero saber o nome ― Águia Vermelha, Flecha Veloz, Urso Sentado, o que seja! Tragam-me o pele-vermelha que eu mesmo degolo o desgraçado.

Tarde demais. O mesmo sujeito deve ter pago seu gesto de ignorância com a própria vida ou com a humilhante submissão à doutrinação européia. Ou morreu de velho, tentando entender porque os olhos dos visitantes brilhavam tanto à vista do metal dourado.

Não sou pessimista. Pelo menos, não sempre. Agora, por exemplo, garanto estar sendo suficientemente otimista para acreditar que as coisas não tendem a piorar muito mais.

Mas vejam a doce ironia da história: deste fatídico dia de 1500 - do qual nem registro fotográfico existe que nos permitisse buscar descendentes do índio traidor andando por alguma rua de nossa pátria amada, salve, salve - deve ter brotado a idéia de que os portugueses são burros. Uma tentativa de revanche psicológica que, quinhentos e poucos anos depois, ainda acalma os nossos (des)ânimos.