Julgamento do Lula no TRF.

Dizem os entendidos em direito que hoje se defrontam duas correntes de julgamento: uma, mais tradicional, apegada aos princípios básicos, às questões conceituais e processuais , com base no direito romano-germânico que originou o nosso, e outra, mais pragmática , com influência do direito americano, mais interessada na interpretação dos fatos e dos objetivos a serem alcançados, levando em conta mais o o senso comum. Pessoalmente desconfio um pouco desta divisão, que me parece elaborada apara justificar posições divergentes de fundo político.

Não há dúvida, entretanto, que os julgadores se defrontam hoje com desafios novos: como disse o Janot, se não me engano, mafioso não passa recibo, não atende ao telefone, não manda E-Mail, não assina contrato. Então, é lícito que se use de todos os meios permitidos em direito, para avaliar os fatos. O problema é a narrativa que advém da interpretação destes fatos, destas sínteses, verdadeiras criações de versões, às vezes muito alicerçadas nas chamadas delações premiadas - como foi o caso, aliás - previstas em lei, sem dúvida, mas imorais na própria essência – “conto tudo, desde que me livrem”. O Roberto Jefferson disse, numa entrevista, que não topara a delação, porque “não era canalha”. Parece que o Juiz não gostou. Concordo inteiramente. A delação é coisa mal vista em nossa cultura e tradição. Ameaçam o cara com penas altíssimas e ele vende a própria mãe.

O julgamento do Presidente Lula no TRF -4 seria um exemplo claro deste conflito: os advogados, apegando-se às exigências processuais, ao direito de contestar as provas e os julgadores, aos fatos organizados numa narrativa e interpretação plausíveis.

Este o resumo da ópera.

Um jornalista perguntou num artigo pregando que o Lula já deveria estar na cadeia: “Ou o Lula não é um cidadão comum?”. Na minha cabeça um cidadão comum não se elege duas vezes Presidente da República. A maior das injustiças é tratar entidades desiguais de maneira igual. Isto quer dizer que o Lula está acima da lei? Obviamente não. Isto quer dizer que, por mais que neguem, exatamente por se tratar da personalidade política que é , o julgamento não tem como deixar de ser eivado, diria mesmo viciado, pela política. No caso, de modo tão intenso, que o político, reconheça-se ou não, prepondera sobre o jurídico. Principalmente, quando o desempenho destes juízes demonstra a sua filiação a uma corrente menos exigente em relação às provas, alicerçando-se em depoimentos e delações de pessoas presas que venderiam a própria mãe para se livrarem da cadeia. O fato da decisão ter sido unânime, a meu ver não a fortalece, pelo contrário, de certo modo gera suspeita: considerando-se que não há uma prova material, considerando-se que não é proprietário quem não tem a sua propriedade inscrita no RGI, e nem mesmo tendo, do ponto de vista do direito imobiliário, qualquer expectativa de direito em relação ao apartamento objeto da condenação, que três magistrados de um tribunal superior não tenham apresentado qualquer divergência a respeito. Se fosse uma questão pacífica, muito bem, mas uma questão controversa como esta, não dá para se aceitar o fato com naturalidade. O Lula disse que os desembargadores formaram “um cartel “ contra ele; não chego a tanto, mas que houve um entendimento entre eles para o que cada um iria dizer, como se fosse na distribuição dos planos a serem adotados na defesa de uma tese, quanto a isto, não tenho dúvida alguma. Foi tudo muito bem combinado e certinho, tudo se encaixando direitinho, tudo muito bem arquitetadinho.

É inegável a imensa responsabilidade do ex- Presidente em relação a tudo o que aconteceu no âmbito das estatais Quanto a isto também acho que ninguém duvida. Alguns me perguntam: “Acha que ele sabia?”. Respondo: “Sabia. E se não sabia, tinha a obrigação de saber”. No caso do “Mensalão”, o Presidente foi alertado pelo Roberto Jefferson. O Presidente pareceu-lhe espantado, segundo seu depoimento. Mas também não tomou nenhuma medida que impedisse aquela prática. Sua responsabilidade é óbvia. No caso da Petrobrás, trazido a debate numa causa que não é diretamente ligada a ela, mas como fator de convicção da culpabilidade do Presidente, é possível considerar-se que o Presidente não foi alertado porque todos imaginavam, mesmo em silêncio, que se tratava de algo tão grande que não era possível que ele não soubesse. Como se vê , não poderia, pela própria situação, dizer que não sabia. Mas sempre pairará uma dúvida. Não há provas materiais que envolvam o Presidente. Então seria aplicável o princípio de que na dúvida beneficia-se o réu. Considerando-se esta linha de argumentação, seria válido esperar-se que houvesse um julgamento nas urnas , ou seja, que se desse ao povo o direito de se manifestar nas urnas a respeito. Atribuir-se ao povo o que é responsabilidade dele.

Acontece que por ter sido condenado em segunda instância, a culpabilidade do Presidente não pode mais ser discutida, o que quer dizer que a prisão do ex – Presidente é uma questão apenas de tempo. Sua candidatura não será aprovada afinal na Justiça Eleitoral e a meu ver, nem no TSE nem no STF. Portanto, a figura central de todo o processo político no momento , não será submetido ao julgamento popular. Cria-se assim não só uma barreira ao exercício da soberania popular, que afinal é quem tem a última palavra num julgamento político, mas também uma armadilha: desqualifica-se o julgamento do Tribunal, que se utilizou do instrumental jurídico para assumir a responsabilidade que não lhe cabia de um julgamento político. Haverá um preço a ser pago por isto. E este preço será cobrado no nível político. Quem viver , verá . Uma das possibilidades será a eleição de um candidato sem real peso de representação , enfraquecido pelas abstenções, o que é péssimo para o País. Que continuará dividido, portanto, enfraquecido. Toda a vez que se frustra a soberania popular , a Nação estará derrapando por um caminho que só levará à pacificação quando esta soberania for exercida. Às vezes como única saída para uma crise institucional que, pelo andar carruagem, poderá ocorrer a qualquer momento. Supera-se, neste caso, a crise, mas as instituições continuam enfraquecidas.