FELICIDADE

Rumo ao trabalho, em ônibus popular, Zedão avista cotidianamente as nuances do alvorecer.

Zedão tem uma irmã e um primo. Por eles somente é lembrado quando necessitam de alguém como “quebra galho”. Quanto aos demais parentes, não sabe, nem é sabido.

Auxiliar de serviços gerais, Zedão cumpre jornada de trabalho exaustiva em um comércio atacadista. Na volta do batente, antes de chegar em casa, toma pinga, que partilha com o santo, joga bilhar no boteco da esquina. Na companhia de tacos e copos, dirigidos pela ficção etílica e modas de viola que correm soltas nas ondas do rádio, Zedão e seus camaradas narram histórias “vividas”. Não faltam bravatas, galanteios, conquistas. Diariamente, surgem casos inéditos envolvendo força bruta, amores improváveis, assombração e seres lendários trazidos dos mais diversos rincões.

Na correnteza da vida, Zedão não tem tempo para divagar sobre questões políticas, mas consigo traz uma breve noção das sacanagens engravatadas. É trabalho duro nos dias úteis. Aos sábados, que cheiram a talco e sabonete de preço baixo, sobra uma que outra aventura no prostíbulo de um arrabalde qualquer.

Apesar das dificuldades que enfrenta, Zedão se satisfaz diante de um prato carregado de arroz, feijão e ovo estrelado. A sua felicidade também chega por meio do futebol, através do rádio de pilha em que ouve a vitória do clube preferido. E quando o triunfo é assistido aos domingos, através de um velho, chuviscado e resistente aparelho de televisão, a fortuna é imensurável.