Mantinha
De algum modo, ela sempre existiu.
Desde a primeira noite, a primeira transa de madrugada, o primeiro filme na sua casa, ela estava lá. Um retângulo comprido, felpudo, marrom, bege e branco, fino o bastante para deixar uma saudade frágil do frio, capaz o suficiente de proteger do mesmo.
E ainda que não fosse, você também se fazia presente se eu precisasse. Você e as suas boxers escuras de sempre.
Existiam pouquíssimas coisas que eu amava mais do que você trajando apenas uma cueca e o tão gostoso cobertor velho.
Hoje, após tantos anos, a palavra "mantinha" me veio à cabeça, bem do nada, logo que acordei. Com ela, uma centena de lembranças há muito esquecidas, despencaram feito a queda de uma cascata violenta.
Uma a uma, elas me atingiram.
Eu lembrei de você, do seu guarda-roupa branco e da forma que dobrava suas mantas. Você sempre perguntava: "Quer sua mantinha?".
"Sim", eu quis dizer.
Mas não havia mais você, ou guarda-roupa, ou mantinha ou quarto. Só eu e uma palavra esquecida.
Fiquei me perguntando se, agora, ela está lá, dobrada num quadrado perfeito, morando dentro de algum armário... Ou tavez esteja cobrindo o corpo nú do seu novo amor que, assim como o meu, repousava tranquilamente em baixo daquela capa protetora que podia apenas ser violada pelos seus braços.
No final, cheguei à conclusão de que a única coisa a qual você não "mantinha"... Era eu.