UM CAFÉ COM DONA BEGA

Há alguns anos atrás todas as tarde quando dava uma folga no consultório eu aproveitava para tomar um café com a dona Bega. Abigail Pereira Ramos. A Bega do seu Juca da livraria. Figura tradicional da velha Laguna.

Se ainda restar alguma dúvida sobre quem é ela pergunte ao o Dr. Márcio Rodrigues ou para Dona Gracinha , sua esposa , que sempre foram muito amigos e têm histórias fabulosas juntos, tais como a costela de seis horas que o seu Juca fazia como ninguém ou das festas tradicionais que aconteciam em casa, onde sempre era necessário um cuidado medonho para com o seu Juca que era admirador contumaz de um bom whisky e requisitava controle constante de Abigail que vez por outra se utilizava de carinhosos beliscões de advertência.

Ela me esperava com a mesa posta, algumas misturas doces e salgadas, café preto na garrafa e leite em pó na lata, pois como bem dizia, durava mais. Era seu compromisso de todas as tardes e quando eu não ia, respeitosamente ela se queixava.

Sabendo do meu gosto por cavaquinho tinha sempre uma travessa coberta por essa iguaria me esperando. Como toda pessoa de idade preocupava-se bastante se eu estava satisfeito com o café.

Conversávamos sobre amenidades e insignificâncias, assuntos banais e corriqueiros do tipo de conversa que não agravam o seu dia. Assuntos pesados e grotescos não entravam em nossos bate-papos, deixávamos de lado, pois em nada acrescentaria ao sabor do café.

Ela me perguntava que livro eu estava lendo e eu lhe perguntava que livro ela estava lendo, hábito de quem durante mais de meio século trabalhou com livros. Algumas vezes lamentava-se do fato de ao acabar de ler um , não lembrar mais de seu início, eu amenizava dizendo que isso era normal, acontecia também com pessoas mais jovens e que o importante era a mensagem que a leitura lhe havia trazido.

Comentávamos sobre o tempo, se estava muito quente ou muito frio, se iria chover no final de semana. Ela me contava de suas voltas pelo centro da cidade pela manhã. Que passeava pelo mercado encontrando velhos conhecidos, sentindo-se tão à vontade como se ali fosse a sala de visitas da sua casa. Ia à farmácia comprar seus remédios, passava antes na feirinha do seu Lelé para pegar algumas frutas e logicamente não esquecia de fazer sua fezinha no jogo do bicho com o João, velho anotador.

As conversas eram boas, me remetiam à lembranças da minha infância que apesar de ter sido longe da Laguna trazia semelhanças e afinidades.

A brisa suave do vento proporcionava um frescor agradável pelo corredor lateral de sua casa tornando a temperatura do meio da tarde sempre amena e aprazível.

É comum as pessoas, depois de uma certa idade, deixarem de acompanhar a efervescência do mundo moderno, cristalizam-se em algum lugar de seu passado e transformam-se em repositório daquilo que um dia já foram, como arquivos vivos de sua história e da história de onde viveram. Se tivermos um pouco de paciência e calma, certamente colheremos experiências valorosas de suas companhias.

Eu gostava de tomar café com ela. Por alguns breves momentos todos os meus problemas desapareciam, como se eu estivesse numa outra dimensão, protegido por uma redoma que me envolvia num estado pleno de paz e serenidade.

Viajávamos por um tempo em que a simplicidade das coisas boas tornavam a vida mais leve e menos complicada. Minhas preocupações eram menores, porque o mundo era bem menor. Limitava suas fronteiras ao mundo inocente e ingênuo da Dona Bega. A Bega do Juca.

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Em tempo: Dona Bega não faleceu ok! Continua viva e feliz. Este texto não é uma homenagem póstuma, muito pelo contrário, é apenas uma recordação dela.