O CIRCO CHEGOU !!!


         De  SMELLO.

                 


Era uma alegria incontida, toda a população acorria ao local onde se daria o desfile. Em casa mesmo só ficavam os empregados e a matriarca da família, os demais deixavam a moradia e iam às calçadas ver os artistas. As crianças também participavam da parada, vinham à frente pulando e gritando, o contentamento, refletido dos olhos de cada um, deixava transparecer intimidade com a "troupe". Repetiam sempre o mesmo refrão: "O palhaço o que é ? È ladrão de mulher"!
E, exatamente ele que vinha puxando o estribilho, em cima de um carro especial com aquelas roupas excentrícas, coloridas, diversifica-
das, sem obedecer uma simetria, costuradas em pedaços de panos, o paletó atingindo abaixo dos joelhos, corarinho enorme, solto da camisa,
por fora das calças, de cor extravagante, só superava o sapato, tão grande, que nele poderia abrigar dois pés juntos. A gravata de cor ber-
rante ou furta-cor contrastava com a roupa que vestia. Todavia, o que mais chamava a atenção era a careca, parecendo verdadeira, no alto da cabeça tinha-se a impressão de que ele não possuia cabelos, a não os caidos em cima dos ombros. E a pintura, a exagerada boca. branca, com lábios vermelhos, sobressaia em tudo mais de sua figura.
O semblante vivo e vistoso dava a certeza estar sempre satisfeito.

Os rapazes apreciavam mais as bailarinas, corista, trapezista e contorcionista, que apareciam no carro seguinte, com as pernas e braços à amostra, alvos, clarinhos, sem um simples bronzeado, por certo suas origens estrangeiras, opunham-se às mulheres brasileiras. A empolgação aumentava entre os jovens, que viviam sonhos de tê-las aos seus braços por momentos, ficavam petrificados. Como poderiam existir mulheres tão lindas e graciosas. Os corpos torneados em razão dos exercícios praticados, os excitavam, logo planejavam vê-las de perto, conjeturas surgiam e discussões. seriam casadas com outros artistas, namoradas, noivas, enfim a situação pouco importava, queriam apreciá-las bem de perto.

O proprietário do circo vinha a seguir, numa limosine aberta refestelado no assento trazeiro, dava a entender ser o dono daquilo tudo, o homem que mandava e desmandava no espetáculo nômade.

Se o circo era opulento, cheio de recursos, dispunha de animais ferozes, elefantes, macacos adestrados, cavalos, bichos diversos do que o povo estava acostumado a ver e conhecer, seguiam nas suas jaulas, causando admiração dos fortuitos espectadores. À frente, quase sempre a pé, com um chicote nas mãos, botas e um chapéu bem alto seguia o amestrador, figura singular, circunspecto, sem dar a menor importância aos assistentes postados nas calçadas. Sua única atenção eram os animais, vez por outra contornava as jaulas, acariciava os mais indóceis, fatigados do cortejo, dando pequenos torrões de açucar.

A charanga animava circenses em desfile e os curiosos que marginalizavam as ruas e avenidas. Esses discutiam o valor dos integrantes do conjunto de instrumentistas, que geralmente tocava as mesmas músicas, identificáveis como de circo. Para uns, chegavam ao absurdo de querem apostar suas qualidades, equivalentes aos mestre de sinfônicas famosas. Nada disso, não passavam de desafinados, assassinos das melodias e notas musicais. Faziam, contudo,furor, extasiavam o público de prazer e espectativa. A figura
mais exdrúxula era da mulher barbada, cujos cabelos saidos do rosto
chegavam até ao estomago.
Por último vinham os pataqueiros e auxiliares, cujas funções con-
sistiam, inicialmente, em extender a lona que cobria o circo, armá-lo, montar as arquibancadas e colocar as cadeiras em pontos estratégicos
que aguçavam os espectadores mais aquinhoados, desfrutadores de posições privilegiadas e próximos aos artistas. Tais auxiliares não despertavam maiores atenções dos indiscretos observadores, sem sa-
berem dos inestimáveis serviços que prestavam, desde as despreziveis
funções até substituirem artistas que adoentavam.

O maior desejo de todos era saber onde o circo seria armado, mui-
tos acompanhavam até o local, em solidariedade ou para se aproxima-
rem das artistas e dos astuciosos trapeziastas, mais valorizados que quaisquer outros membros da troupe.O interesse da garotada tinha du- plo objetivo: primeiro ver de bem perto as moças com peles nórticas, brancas que pareciam não terem sangue; depois, faziam amizades para ganhar ingressos, a fim de assistirem de graça os espetáculos. E,elas com a experiência que tinham, quando passavam por outros lugares, sabiam desses mirabolantes desígnios. Exploravam a meninada,colocando-os para carregarem sacos enorme, pesados, com materiais a serem usados na armação do circo. A princípio se sujeitavam ajudá-las, depois viam que não receberiam nada em troca, abandonavam os fardos. E, elas de perto não tinham o tipo de beleza que imaginavam. Preferiam mesno, "furar" por baixo da lona, para ingressarem no recinto onde desenrolaria o espetáculo, lance nem sempre positivo, em razão dos pataqueiros sempre alertas. A mulher-
barbada, não passava de um embuste, cabelos que outras artistas cortaram serviam para colar, antes da apresentação, uma perfeição.

A mocidade dos dias de hoje não tem a menor noção dessas atitu-
des, porque dispõe de recursos para adquirirem entradas nos circos famosos ou outras casas de espectáculos, mas nos tempos passados, os moços não recebiam mesadas dos pais para enfrentarem despesas
como essas.

Varias admirações impressionavam profundamente os frequenta-
dores do circo fora das horas dos espetáculos, os exercícios que se submetiam contorcionistas, equilibristas e trapeziaras, pareciam que eles não possuiam ossos, somente músculos, e os palhaços não eram tão velhos, como apareciam vestidos dentro das roupas incomuns. Fisionomias moças, rostos angelicais, ensaiavam geralmente com outros mais velhos, que lhes ensinavam os trucs, piadas, gestos e caretas. Tinham os apelidos mais engraçados e momentâneos, que propriciavam estrondosas gargalhadas do público. Não guardavam tantas alegrias como faziam crer ao respeitável público, expressão que gostavam de dizer. Alguns deixavam transparecer sofrimentos, dores ou mesmo amarguras e paixões. Os observadores de almas, chamados psicólogos, justificavam, cientificamente, que eles assim permaneciam por estarem no ostracismo, já fora do picadeiro, onde tanto trabalharam e deram alegrias a todos que iam vê-los e, para não se ausentarem do circo onde mantinham suas famílias nos carros-dormitórios, por fim eram suas casas. Prestavam serviços secundários, inclusive vendendo nas arquibancadas, balas, chocolates de 2ª, maçãs coloridas e refrecos de groselha. Sentiam-se deprimidos e humilhados, sem que pudessem reagir, porque a arte que dominavam, inclusive o próprio publico, acabara.

Esse é o circo que não vemos e muitos não conhecem, trazem trauma ao ser humano que nele trabalharam.

A propósito, idêntico fato serviu de tema para o grande filme de priscas eras ao excepcional ator Red Skelton, que interpretou "O
PALHAÇO", para ombrear-se com Charles Chapplin, em "Luzes da Ribalta", de sucesso mundial, após ter sido expulso dos Estados Unidos. A recordação da síntese do filme é imprescindível, dando oportunidade a muitos que não tiveram a ventura de vê-lo, guardar na lembrança a vida do artista que faz pilheria no circo para a platéia rir.
Um palhaço é procurado no seu camarim por uma homem, dos mais
ricos e poderosos da cidade, onde o circo estava instalado, e conta o drama que estava vivendo com uma filha, de pouco mais de 12 anos, portadora de leucemia e lhe faz uma proposta, eu tenho várias fazendas, dou-lhe uma, de porteira fechada, com tantos mil alqueires de terra, valendo 1/3 da minha riqueza, se você conseguir fazer minha filha sorrir, o que não faz há muito tempo. O palhaço tomou aquilo como um desafio; embora no ostracismo, participando de um circo mambembe, pouco se importou com a oferta feita, desejoso estava em provar sua versatilidade e capacidade artistica. Entrou no picadeiro cônscio de seu valor e possibilidade de dar alegria à criança e seu próprio pai. Fez tudo que sabia de cena burlesca. Aproximou-se da menina, sentada numa cadeira privilegiada permanecia impassível, sem dar o menor gesto de sorrir, como estava ficou: serena, insensível e indiferente.
Não se deu por vencido, foi para o camarim, recordou todos os en-
sinamentos que passaram seus antepassados, avô e pai. voltou ao picadeiro, aproximou-se outra vez da menina, aplicou todas as graças que lhes haviam transmitido seus ascendentes. O PUBLICO presente delirava, rindo sem parar, as gargalhadas abafaram o som dos alto-fa-
lantes,e a leucêmica, mesmo de tenra idade não tirava os olhos dele, mas não sorria. Séria o semblante, mesmo que trânquilo, não desperta-
va a menor comoção de rir. Triste,desprezado pela pobre menina doen-
te, vê que seu esforço nada adiantara, abaixa o rosto e sobre ele colo-
ca suas mãos e começa a chorar, não porque estava encerrada sua carreira de palhaço e sim pelo fracasso que sofrera. Neste exato momento a menina, começa a rir, rir, rir, sem parar e, o pai ao lado dela lhe pergunta, por que está rindo tanto minha filha?
A resposta veio imediata, porque eu não sabia que PALHAÇO TAMBÉM CHORA !
A triste nota dessa narrativa, ocorreu na vida real, o ator Red Skelton, veio a ter um filho, que com a mesma idade daquela menina contraiu leucemia, Antes de morrer, o pai correu o mundo inteiro, num avião especial, que dispunha de todo conforto e atendimento de emergência com o filho, mostrando-lhe os diferentes e atraentes pontos da terra. Tempos mais tarde, já não trabalhando no cinema, tornou-se brilhante pintor e os temas giravam em torno do palhaço.

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smello
Enviado por smello em 26/08/2007
Reeditado em 27/11/2009
Código do texto: T625012
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