HISTÓRIA DE UM CASAMENTO

O filme História de um casamento, direção e roteiro de Noah Baunmbach, protagonizado por Scarlet Johansson no papel de Nicole e Adam Driver como Charlie, mostrou os embates que podem surgir durante o matrimônio. Contudo, no seu final, a película trouxe emoção e civilidade ao divórcio, e, de certa forma, contribuiu para que Afrodite e Milo, personagens desta modesta crônica, por aqui deixassem fluir suas próprias experiências.

Sobre Milo e Afrodite, em específico, poderíamos dizer que o primeiro contato, embora ligeiro, teve a marca da veemência.

Por ocasião de uma concorrida mostra de arte na Galeria Millenium, Afrodite foi apresentada a Milo por um amigo comum. Este, por razões incertas, deixaria de figurar no restante da narrativa. O encontro foi à ocasião interrompido por outras pessoas que arrastaram Milo a uma sala contígua. Enquanto se distanciavam, o brilho da sedução orbitou nos seus olhos. Depois, um torvelinho de incidências não permitiu o desejado reencontro. Milo e Afrodite não mais souberam um do outro. Vento repentino e ligeiro virou a página de um romance promissor.

Apesar disso, a esperança se manteve. Através de apelos e referências elucidativas, Milo valeu-se de recursos midiáticos na tentativa de localizar a deusa que assediava seu pensamento. Em um lugar e outro houve um perfume que evocava a lembrança de Afrodite. Tudo em vão.

No que tange à Afrodite, sua vida era preenchida por realizações, mas que diabos, vez e outra, entre tarefas diárias, surgia a lembrança de Milo. Embora nem saiba como, ela gostaria de revê-lo.

À vista disso, caberia a contingência dar “uma mãozinha”. No mundo tátil ou na ficção, com esmero e trilha sonora, não seria raro presenciar o acaso oficiar encontros.

Milo e Afrodite, com seus predicados e inconveniências, pelas voltas do mundo, poderiam ser convidados a atuar na tela gigante do destino. A conjunção se faria valiosa e intensa como a percepção da eternidade. O que viesse depois estaria sujeito aos projetos da sorte. Nem o afastamento irremediável, urdido pelas surpresas da vida, estaria apto a descuidar das impressões emergentes do primeiro encontro.

Sendo assim, digamos que, um dia, ao passar os olhos aleatoriamente sobre os classificados de um jornal que seria descartado na lixeira, Afrodite se deparasse com um apelo eloquente de Milo e, a partir daí, o reencontrasse.

Esse acontecimento reinventaria o mundo. O sol pintaria as melhores paisagens, as estrelas seriam fogos de artifícios, e o céu guardaria seus melhores tons. Noites em azul marinho seriam banhadas pelo perfume da brisa. As paletas da paixão e do romantismo, entre lençóis macios e amarfanhados, entre vinho e champanhe, passariam a colorir cenários inesquecíveis para Milo e Afrodite.

Nessa aerosfera, arderiam em prazer e desejo até sobrevir os primeiros incômodos. Após conhecerem o paraíso, Milo e Afrodite, de forma implacável, desembarcariam na realidade. Ao passar dos dias, o cotidiano testemunharia discussões banais que se fariam encorpadas e contínuas. A competição, as mágoas, opiniões e gostos diferentes resultariam em severa incompatibilidade.

Os bons sentimentos de outrora assumiriam faces agastadas. Dramas invadiriam a tela gigante do convívio para separá-los de forma categórica.

Mas, Afrodite e Milo, como na produção cinematográfica de Noah Baunmbach, ajeitariam tudo de maneira civilizada. O final do relacionamento dispensaria agressões e intermináveis disputas judiciais. Para fugir do lugar comum e distinguir a melancolia com um toque de arte, as melhores recordações até que poderiam subsistir pelos caminhos da separação.