O gajé de dona Maria

Outro dia estava retornando pra casa, de ônibus e numa sexta-feira, após mais um evento de formação, quando tive a impressão de que algo diferente iria acontecer. Horário de saída: 23h55min. Itinerário: Salvador – Teixeira de Freitas. Como de costume, passei boa parte da viagem dormindo, pois é uma ótima oportunidade, diante das horas e horas ao volante semanalmente. Sonhei durante toda noite com as provas para corrigir, planejamento e até com o imposto de renda!

Na manhã seguinte, tomei café em Itabuna e retornei para minha condição privilegiada de passageiro. Sim, são quase 15 horas de viagem... Como era sábado, o fluxo estava intenso. Muitos embarcavam na estrada para saltar nas cidades seguintes. Uns iam comprar e outros, vender os produtos direto do campo. Um retrato fiel da economia do Extremo Sul, com seus pequenos agricultores, pescadores, catadores de caranguejo que resistem ao eucalipto.

Os passageiros embarcam calmamente e vêm trazendo o restante a bagagem de mão para acomodar no porta-malas. Cheguei até a auxiliar uma senhorinha, que vinha com seu lenço amarrado na cabeça e uma pressa danada para chegar a Eunápolis. – Deus lhe ajude, menino! Disse Dona Maria, ao que respondi “Amém”. Ela então se acomodou e eu voltei ao meu lugar. Aproveitei a claridade para ler um pouco.

Mas nesse trecho, quanta instabilidade... Os buracos na pista são inimigos da leitura. Teve um momento que o motorista resolveu acelerar. Até que numa curva: Diacho, de quem é essa bolsa, gente? Ave Maria, nem coloca as coisa direito! Pensei logo “A sacola de Dona Maria, e fui eu quem guardou”. Mas, para meu alívio, um senhor de chapéu se desculpou pelo incidente.

Ora, essas coisas são comuns para quem viaja de ônibus! E tudo voltou ao normal. Por pouco tempo! De repente, um barulho vindo do porta-malas... (SUSPENSE). As especulações começaram: — É peça solta, o motorista tava correndo! — Será que tem bicho aí? — Claro que não, eles sabem que não pode levar. Concluiu uma mulher muito elegante e bem trajada, que seguia na poltrona 27.

O barulho cessou e todos se calaram. Dona Maria levantou-se discretamente e deu uma ajeitada na sua sacola. Voltou a se sentar, mas parecia incomodada. Foi aí que os ruídos voltaram mais intensos e os burburinhos também! Lá dos fundos, uma voz de criança exclamou: — Pega o gajé! E o povo apavorou. Eles sentavam, levantavam, examinavam o porta-malas e não encontravam nada.

Minutos depois, a dona bem trajada soltou um grito de terror. Não é que o caranguejo caiu logo no seu colo. Além do grito, um salto, bem alto, igual ao seu sapato. — Tira esse bicho daqui! E três homens apareceram para exterminar o animal ameaçador. — É guaiamum? — Não, caranguejo? — Que nada, é um gajé de rio. Irritada, a mulher voltou a gritar: — Não interessa gente, peguem esse bicho feio. Mas os rapazes não estavam lá muito empolgados.

De repente, Dona Maria se levanta toda vergonhosa e decide por fim ao impasse. — Pode deixar, os menino, num mata o bichim não, que é meu. Daí, a dona bem trajada reclamou e falou até em processo por danos morais. — Afinal de contas, a senhora não tem juízo? Esse bicho podia me machucar. Está querendo matar uma pessoa de susto com ele é? Recolhendo o animal com sua experiência, Dona Maria falou: — Não, dona, a senhora desculpa, é pra vender na feira e ganhar um dinheirinho! E assim, cheguei a Teixeira de Freitas, após uma viagem cansativa, que se tornou mais divertida com o gajé de Dona Maria.

Renato Pereira Aurélio
Enviado por Renato Pereira Aurélio em 13/02/2018
Reeditado em 14/02/2018
Código do texto: T6252389
Classificação de conteúdo: seguro