O HOMEM CAVALO

     Ao pegar o ticket para o estacionamento na entrada de um supermercado, fui abordado por um homem que da calçada me pediu um pacote de arroz. De relance vi a seu lado uma carroça dessa de catador de material reciclável, já cheia até o topo. Demorei uns vinte minutos lá dentro quando voltei e manobrava para sair vi novamente o homem e me dei conta que havia esquecido do seu pedido. Resolvi dar um dinheiro para que ele mesmo comprasse o arroz e mais alguma coisa que precisasse. Ao me aproximar notei seu rosto inchado e macilento devido ao uso prolongado de álcool. De qualquer forma dei o dinheiro a ele, mas achei por bem fazer uma recomendação: “Não vá comprar cigarro nem bebida hein!”. Ele olhou demoradamente para a nota, agradeceu, e prometeu que não o faria. Fui embora pensando “será que ele vai comprar comida mesmo?”. Normalmente prefiro comprar alguma coisa e entregar a quem me pede, assim não fico nessa dúvida, mas realmente esqueci. Isso me levou a recordar que ao longo da vida fui advertido muitas vezes: “Não dê esmola, isso tira a dignidade das pessoas?” É claro que existem muitos vigaristas que se fazem de aleijados, incapazes, simulam feridas que não existem, tudo para ludibriar a boa-fé das pessoas. Podemos então concluir que até entre os miseráveis existem desonestos. Mas de que dignidade poderiam estar falando? Estava diante de um ser humano, que provavelmente havia saído cedo de sua casa, passado o dia todo no papel de “cavalo” puxando aquela carroça pesada, enfrentando um sol causticante e um trânsito onde sua prioridade é zero, para conseguir um dinheiro escasso garantindo assim seu sustento e de sua família. O problema dele não é desprezo pelo trabalho, é a insuficiência de recursos que dele obtém. Não sei qual terá chegado primeiro a miséria ou o vício. Esses dois vetores costumam andar juntos, fragilizando e submetendo as pessoas a condições humilhantes de vida. É difícil definir qual o mais degradante, pedir ajuda as pessoas ou puxar aquela carroça? Pode até ser que ele tenha ido beber mais com aquele dinheiro. Aí sim, fraqueza de caráter. O fato é que assim que pegou o dinheiro este passou a ser seu, portanto não me cabe julgar daí em diante.
        O gesto de dar uma pequena ajuda a alguém é sempre espontâneo e não tem como ser enquadrado em máximas sociais que afirmam que são prejudiciais, que as pessoas se acomodam, que enfraquecem seu caráter, que não vão mais procurar trabalho. Nem sempre é assim. A sociedade não pode realmente assumir tarefas que são do poder público. Mas existem casos em que a necessidade é tão aguda que devem ser enfrentados mesmo em bases individuais. Quem puder ajude. É questão de fome, frio, desabrigo e nos furtarmos a esses pequenos atos é simplesmente virar as costas em definitivo para essas pessoas e abandona-las ao seu próprio e triste destino. A solidariedade é um remédio que mesmo em overdose não faz mal a ninguém.
Al Primo
Enviado por Al Primo em 15/02/2018
Reeditado em 15/02/2018
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