Zé Roberto.

Eu me lembro de Zé Roberto quando estudamos juntos na escola Padre José de Anchieta. Menino espoleta. Gostava de ciências e cachorros. Sempre às turras com os professores por conta do seu jeito inquieto, mas um bom menino.

Eu me lembro de zé roberto quando viu sua mãe ser vítima de uma bala perdida enquanto voltavam da padaria naquele fim de tarde. Zé tinha 12. Quando voltou a escola Padre José de Anchieta Zé era outro menino.

Eu me lembro de Zé Roberto quando seu pai ficou desempregado por demorar a se adaptar à vida sem a esposa e passou a trabalhar vendendo sorvetes. Ele ia junto para não ficar sozinho em casa. Tinham medo da violência do mundo.

Quando o pai ficou cego, sem nenhuma explicação a não ser a rigidez do destino, Zé Roberto passou a vender os sorvetes sozinho. Zé tinha 14. Mas o dinheiro não dava para o mês e Zé não voltou mais à escola Padre José de Anchieta.

Por uma rigidez que não só a do destino, Zé passou a transportar mais que sorvete. Depois passou a vender mais que sorvete. Depois passou a consumir mais que sorvete. Zé tinha 16 quando morreu com um tiro na cabeça disputando um ponto de venda dos tais sorvetes.

O pai repetia: meu filho era um menino bom. “Meu filho era um menino bom” .. senti na mesma hora que aquilo ia grudar em mim. Hoje vi o pai de Zé Roberto sentado ao sol pela manhã. Silencioso. Velho. Como quem espera alguma coisa. “Meu filho era um menino bom” minha mente repetiu isso sem que eu notasse. Eu lembro: ele gostava de ciências e de cachorros.

Marília de Dirceu
Enviado por Marília de Dirceu em 16/02/2018
Reeditado em 16/02/2018
Código do texto: T6255777
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